CONVERSAS DA DIÁSPORA
- Com o Pioneiro António Viola -
(12 de Dezembro de 2003)
Por Adelina Pereira - Adiaspora.com
Adiaspora.com: Hoje temos connosco o Sr. António Viola,
pioneiro emigrante que chegou a estas terras do Canadá
em 1952. Sr. António, ao que nos parece já havia
outros portugueses aqui no Canadá quando chegou a primeira
vaga de emigração oficial portuguesa, entre os quais
o senhor. Quando emigrou para o Canadá?
A.V.: Em Junho de 1952. Mas já
tinham vindo cinco antes de mim. Vieram individualmente.
Adiaspora.com: É oriundo de que parte de Portugal?
A.V.: Sou natural de Peniche onde nasci a 25 de Agosto de 1920.
Adiaspora.com: Conte-nos um pouco sobre a sua vida antes de emigrar?
A.V.: Eu era comerciante. Tinha uma casa de venda de mobílias.
Eu era marceneiro e tinha operários a trabalhar para mim.
Adiaspora.com: Como é que teve conhecimento do Canadá?
A.V.: Eu, desde novo, pensei sempre em emigrar. Ouvia falar que
se fazia fortunas no Brasil, fazia-se fortunas na Venezuela e
em 1945 estive quase pronto para ir para a Venezuela. Não
fui porque me disseram que aquilo era muito mau, o clima, a comida,
a água, que nada prestava e então desisti. No entanto,
passado pouco tempo, arrependi-me ter desistido. Entusiasmei um
amigo meu a ir para a Venezuela. Ele queria ir comigo e embora
eu tenha desistido, ele não o fez, dizendo que iria arrepender-me,
e assim foi. Passado anos, fui tentando ir para a Venezuela mas
não consegui até que, um dia, vou para o café
como era meu hábito à hora do almoço. Um
cliente do café bateu no vidro quando me viu passar e chamou-me.
"Olha Viola, você quer emigrar. Está aqui um
país para onde emigrar." Tinha saído no Diário
de Notícias daquele dia uma notícia que dizia "O
Canadá recebe este anos tantos milhares de imigrantes"
mas não dizia que eram portugueses. Perguntei ao senhor:
"O Canadá, onde é o Canadá?" Ninguém
falava no Canadá naquela altura e eu não conhecia
nada sobre este país. A maior parte dos portugueses não
sabiam onde era o Canadá. "Olha, fica a norte do Estados
Unidos. Aquilo é muito frio." Perguntei-lhe qual era
a moeda. "É o dólar.", respondeu-me. "Então
serve-me";ripostei logo. No dia seguinte fui a Lisboa descobrir
onde era o Consulado Canadiano. As então instalações
do Consulado eram reduzidas a uma pequena sala apenas. Estava
lá uma senhora canadiana que falava português mal
a quem me dirigi e perguntei quais as possibilidades que tinha
de emigrar para o Canadá. "O senhor vá à
Junta de Emigração Portuguesa e peça o passaporte
de emigrante." Nessa mesma tarde fui à Junta na Junqueira
onde me perguntaram se eu tinha um contrato de trabalho. Quando
respondi que não informaram-me que só concederiam
o passaporte com um contrato de trabalho. Fiquei em Lisboa e no
dia seguinte voltei ao Consulado Canadiano e disse à senhora
que a Emigração recusava-se a dar-me o passaporte
sem ter contrato de trabalho. "Olhe, faça uma coisa.
Veja se consegue um passaporte de turista que eu dou-lhe o visto
de turista e assim vai para o Canadá. Depois de lá
estar pouco tempo legaliza-se." Naquele tempo era fácil
legalizar-se cá.
Adiaspora.com: Isso não chegou a acontecer porque sabemos
que entrou no país como imigrante.
A.V.: Sim, de facto entrei como imigrante
mas voltando ao meu relato.... depois voltei a Peniche onde pedi
ao Presidente da Câmara se fazia uma carta de recomendação.
Para se requer o passaporte de turista no tempo do Salazar era
preciso ser-se rico ou ter-se cunhas. Então necessitava
do Presidente da Câmara para dar boas informações
minhas para Leiria para me darem o passaporte. Só que o
Presidente da Câmara disse-me que não o podia fazer
porque eu não era proprietário embora tivesse negócio.
Negou-me o favor que eu estava a pedir-lhe. Entretanto, há
um senhor que eu tinha mandão para a Venezuela, a quem
eu tinha facilitado a sua ida pois fui eu que o entusiasmei, que
tinha a esposa bem colocado em Peniche que conhecia um senhor
que tinha uma mercearia. Este senhor certo encontrou-me e disse
(já sabia que eu andava a tentar ir para o Canadá):
"Olha Viola, o Frederico Guerra está no Canadá!"
Tinha este passado como turista para o Canadá. Foi o primeiro
português que se conhecia lá que tinha entrado no
Canadá. Esse senhor tinha estado na Venezuela. Quando a
situação piorou na Venezuela, foi para o Brasil,
donde depois veio para o Canadá. Entretanto, havia um outro
português de Peniche que tinha passaporte de turista que
tinha tentado entrar em Arruba, na Venezuela para tentar ficar
lá mas que não deixaram à chegada desembarcar
do barco, a quem eu sugeri que tentasse o Canadá uma vez
que já lá estava o Frederico Guerra uma vez que
possuía o passaporte de turista. Sugeri que fossemos ao
Consulado onde a funcionária lhe daria um visto. E assim
foi. Fomos ao Consulado onde lhe deram o visto e ele veio para
o Canadá. Entretanto, esse senhor já no Canadá
é que diz ao meu amigo Guerra: "Olha quem quer vir
para o Canadá é o Viola. Tem se fartado de dar voltas
lá a ver se consegue vir e não consegue." "É
pá, eu posso ajudá-lo. Vamos tentar ajudá-lo.
Vou escreve-lhe uma carta para ele apresentar essa carta no Consulado
em que eu digo que tomo responsabilidade pela vinda dele."
E assim foi. Não foi uma carta de hamada propriamente dita.
Foi uma carta em que ele escreveu: "Amigo Viola, sei pelo
Norberto que você está interessado em vir para o
Canadá ... Vá com esta carta ao Consulado Canadiano
e diga o que está aí que posso passar a ser o seu
sponsor" Fui ao Consulado com a carta onde a funcionária
me disse: "Deixe aqui a carta que a vou mandar para o Canadá."
Passado algum tempo recebi uma carta do Settlement Service
a garantir-me trabalho como marceneiro após a minha chegada
ao Canadá. Com essa carta dirigi-me à Junta de Emigração
onde o funcionário me disse: "Finalmente, não
podemos que não!" Foi-me concedido então o
passaporte de emigrante. Depois regressei ao Consulado onde me
dado o visto, etc. Como já havia nesse tempo muita gente
entusiasmada para vir para o Canadá pois muitos tinham
lido a tal notícia, quando fui levantar o meu passaporte
ao Gabinete do Senhor Tenente-Coronel Batista, que era o presidente
da Junta de Emigração na altura, a sua secretária
informou-me que a Junta estava interessada em abrir a emigração
para o Canadá, só que era um país desconhecido.
Sabia-se a sua localização mas desconhecia-se o
modo de vida. Pediu que escrevesse uma carta ou duas do Canadá,
após a minha chegada, dando informações de
como a vida era lá, as dificuldades e facilidades que encontrara,
como viviam os portugueses que lá estivessem. E assim fiz.
Seis meses depois de cá estar (eu fui trabalhar para Seven
Islands) escrevi uma carta para a Junta de Emigração
Portuguesa em que eu dizia que o Canadá era um bom país,
que era um país de futuro e que era de facilitar a vinda
de emigrantes para o Canadá mas com a recomendação
que viessem com alguns conhecimentos de inglês ou francês
para saldarem as dificuldades que eu tive pois eu não falava
nem inglês nem francês. No Labrador onde estive falavam
o francês e eu julgava que estavam a falar inglês
e vice-versa. Mas afinal eram todos Newfies (habitantes
de Terra Nova).
Adiaspora.com: Depois de ter resolvido o imbróglio com
o passaporte, consegue o passaporte como emigrante. Quando é
que parte de Portugal?
A.V.: Parti de Portugal no dia 1 ou 2 de Junho de 1952. Ao todo,
foram 6 dias de viagem.
Adiaspora.com: Em que barco é que partiu?
A.V.: No Vulcania. Era um barco
italiano, irmão do Saturnia. Nessa viagem eu era
o único português a vir para o Canadá. O barco
vinha cheio de emigrantes que iam para os Estados Unidos, portugueses
que tinham ido de férias a Portugal que vinham de regresso.
Desembarquei em Halifax e vinham mais dois portugueses no barco
com passaportes de turista. No segundo dia de viagem, o inspector
de emigração abeirou-se de mim e disse-me que havia
outros dois portugueses que também vinham para o Canadá
e que mos apresentaria para fazermos a viagem mais distraídos.
Um mês antes, estes já tinham vindo no Saturnia
mas ao chegar foram impedidos de desembarcar pela polícia
por não terem condições financeiras para
entrar no Canadá. Mas eles não desistiram e conseguiram
vir no Vulcania um mês depois. Acabaram por ficar.
Um deles até foi meu colega de trabalho por bastante tempo.
Estive sujeito a ser atirado ao mar por eles na viagem. O inspector
levou-me ao bar para me juntar a eles...
Adiaspora.com: Lembra-se dos nomes deles?
A.V.: Um chamava-se Joaquim Salvadinho e o outro era conhecido
por José da Batata. Eram ambos de Loulé. Depois
de fazer as apresentações e de beber uma cerveja
connosco, o inspector foi-se embora e eu fiquei ali com eles.
À noite, cada um recolheu-se para seu camarote. Eles iam
em segunda classe e eu em terceira. Noutro dia fui à procura
deles mas quando me viram fugiram. Cada vez que me viam fugiam,
mudavam de sítio, e evitavam de estar comigo porque pensavam
que eu era de PIDE! Pensaram que o inspector que me tinha apresentado
para durante a viajem eu tentar saber quais eram os seus planos,
porque iam para o Canadá. Chegámos a Halifax, eles
estavam na bicha dos turistas enquanto eu na bicha dos emigrantes
mas eles não tiravam os olhos de mim, ainda desconfiados.
No comboio para Montreal, eu vou à procura deles com uma
garrafa de Vinho do Porto. Quando os encontrei exclamei: "É
pá! Já estamos no Canadá! Vamos abrir uma
garrafa de Vinho do Porto para celebrarmos!" E lá
fomos conversando durante mas eles estavam sempre um pouco retraídos.
Eu dizia-lhes: "Vocês vão como turistas mas
vão conseguir ficar porque um meu amigo meu que já
cá está e que se legalizou, tenho outro que veio
da Venezuela e do Brasil que também já se legalizou!"
Eu estava contar-lhes uma estória que eles já traziam
nos ouvidos e que lhes fora contada há bastante por um
seu amigo que veio da França para o Canadá. Quando
chegámos a Montreal perguntei-lhes se podia partilhar táxi
com eles, tendo estes me respondido que deveria seguir noutro.
E assim foi. Tive a sorte de apanhar um táxi logo de seguida
e dei instruções ao taxista para seguisse o carro
onde eles seguiam. Chegámos a Rua St. Elizabeth em Santa
Catarina onde se juntavam os portugueses. O táxi deles
parou, saíram e bateram a uma porta donde emergiu um senhor
que os abraçou. Eu estava com a minha malinha, a mala de
cartão como diz o outro, na mão e depois daquela
euforia dirigi-me ao senhor que os recebera e perguntei: "O
senhor por acaso sabe da morada ou conhece os senhores Norberto
Mota e o Guerra?" "É pá, não me
diga que você é o Viola!" Foi mesmo assim. "O
homem, você é já tão falado no Canadá.
Eles já estão à espera de você há
tanto tempo!" Aí é que os outros acalmaram.
Fomos todos jantar a um cabaré, beber cerveja, todos animados
porque deixei de ser o informador da PIDE. Mais tarde o Salvadinho
ao José Rodrigues: "O viola teve uma sorte desgraçada
porque se nós descobríssemos que ele era da PIDE
e que andava atrás de nós a tirar informações,
nós tínhamos o atirado ao mar!"
Adiaspora.com: Como foi a sua vida depois de ter chegado a Montreal?
A.V.: Eu não sabia procurar um quarto nem nada mas as
tive a sorte de me ter encontrado com os portugueses. Já
estavam 10 ou 12 portugueses em Montreal naquela altura. Tinham
vindo como turistas, 2 de Arruba, 2 da Venezuela, 1 do Brasil,
2 de França, ao todo 10 ou 12.
Adiaspora.com: Atrás referiu que tinham vindo 5 de Portugal
antes de si? Sabe algo a este respeito?
A.V.: Sim. Os dois primeiros portugueses
que vieram como emigrantes para o Canadá foram os irmãos
Coitos do Bombarral. Já faleceram. Estiveram cá
só 18 meses. Eram blacksmiths (ferreiros) e foram
trabalhar para Seven Islands, para onde eu também fui trabalhar.
Paguei $50 a um senhor português para me levar para lá.
Paguei eu a viagem. Ofereci-lhe $50 se ele me conseguisse emprego
nessa companhia que estava a construir a linha ferroviária.
Adiaspora.com: Como se chamava esse senhor que funcionava com
um espécie agente de emprego na altura?
A.V.: Chamava-se Abel. Era um crook
(vigarista) muito grande. Já tinha estado nos Estados Unidos.
Andava enfiado na máfia dos Estados Unidos, onde acabou
por ser morto depois de ter regressado do Canadá. Era um
português continental de Torres Vedras.
Adiaspora.com: Depois de já reunido com os seus amigos
e instalado em Montreal, acabou por arranjar alojamento?
A.V.: Sim. A primeira noite fiquei com
um português na mesma cama!!! Era pintor. Disse ele: "Você
não se atrapalhe. Se não arranjar quarto hoje arranjará
amanhã. Nunca dormiu com um homem? A minha cama é
muito larga. Quer dormir comigo e amanhã arranjamos quarto?
Entretanto o Guerra e o seu amigo Norberto estão aí
a chegar. Vêm de férias." Seven Islands, onde
trabalhavam, era muito longe de Montreal. Estive uma semana em
Montreal antes de seguir para Seven Islands onde o agente Abel
me arranjou colocação a troco de $50. Trabalhei
de carpinteiro em Seven Islands durante ano e meio. Tive sorte
pois os carpinteiros ali eram aos milhares como de resto todas
as profissões porque ali andavam a abrir uma linha ferroviária
para Labrador. Tive a sorte de invés de ir para esses campos
- era um campo aqui, outro a cinquenta milhas - de ficar na base
da companhia. Iniciei por trabalhar três semanas de pá
e pica, por outras palavras fiquei a trabalhar na companhia como
labourer (trabalhador indiferenciado). Depois ofereci mais
$50 a esses portugueses do Bombarral para o bossa (supervisor
ou encarrgado) dele e o bossa dos carpinteiros se embebedarem.
Iam a uma vilazinha dos esquimós onde eles iam todas as
noites para a cerveja. Os dois portugueses do Bombarral sabiam-no
e estavam muito bem vistos como trabalhadores. O superintendente
deles juntava-se com o dos carpinteiros e houve em que um dia
eu estava a trabalhar com a pá a abrir um buraco quando
o supervisor dos carpinteiros se aproximou e chamou por mim. "Viola,
Viola, Come on up. Are you're a carpenter?" (Viola Viola,
apresente-se. É carpinteiro?) Ele falava mal o inglês.
Falava mais o francês do que inglês. "Where
are your tools?" (Onde estão as suas ferramentas?)
"In my bedroom," respondi eu (No meu quarto).
Fomos ao meu quarto onde tirei a minha mala com as minhas ferramentas
de carpinteiro à antiga, que eu tinha trazido de Portugal,
uma plaina de madeira, uma serra, etc. e o homem viu que eu era
carpinteiro. Tive a sorte de dizer que era cabinet maker
(marceneiro) e então ele atirou comigo para a oficina de
carpintaria onde tinham dois homens a trabalhar. Colocou-me logo
à entrada na bancada à entrada da porta. Apresentou-me
o foreman da oficina (encarregado) e depois agarrou na
bocado de papel onde desenhou uma secretária para eu fazer.
"Now you are going to make a desk" (Agora vais
fazer uma secretária) Apesar de não falar a língua
percebi que se tratava de uma secretária e comecei a fazê-la.
O foreman de lá dentro tinha um amigo alemão,
que era quem fazia os trabalhos melhores na oficina. Comecei a
fazer sombra a esse homem com o meu trabalho. Então o foreman
da carpintaria um dia atira comigo para a rua. Mas eu estava protegido
pelo superintendente e o outro pelo foreman. Ele atiro
comigo para a rua alegando que não havia trabalho na oficina,
tendo me colocado a serrar 12 by 12 (vigas de madeira de
12 polegadas por 12 pés) com uma grande serra. O superintendente
passa por lá e vi-me ali. "Quem te mandou para aqui?"
"Foi o Mr. Blanchard." "Take your tools. Come
on." (Pega na ferramenta e vem). Pára o carro,
mete-me a ferramenta no carro e fomos direitos à oficina.
Ele chegou lá e perguntou ao foreman por que razão
me tinha manado para a rua. Este respondeu que não havia
muito trabalho na oficina. Era uma altura em que todos estavam
parados a beber café e a conversar. O coffee break
(intervalo para o café) invés de ser 10 minutos
era uma hora. O superintendente ripostou por perguntar como havia
trabalho para os outros que lá estavam se não havia
para mim. Manda-me novamente para a minha bancada, faz outro desenho
de mais uma secretária e dá-me instruções
para a construir e quando a terminasse para continuar a construir
mais secretárias. Como vê, eu estava protegido pelo
superintendente.
Adiaspora.com: O senhor veio solteiro para cá?
A.V.: Já era casado com dois filhos mas estive sozinho
no Canadá durante 5 anos nos quais calcorreei o Canadá
de norte para sul e de nascente a poente, sempre a trabalhar.
Olhe que cheguei a estar em Frobisher Bay que é perto da
Gronelândia.
Adiaspora.com: Sempre por conta desta mesma companhia?
A.V.: Sim. Portanto, estive em Seven Islands,
depois passei para o Labrador, ou seja, Frobisher Bay para uma
base aérea numa ilha canadiana. Esta localidade fica muito
a norte tanto que os canadianos chamavam este território
radar land. Estive lá duas vezes, uma vez de Inverno
e outra de verão, regressando sempre à base em Seven
Islands. Um dia recebo uma carta de Vancouver de um amigo meu,
o António Gonçalves, que já tinha vindo integrado
na primeira emigração oficial portuguesa para o
Canadá e que reside actualmente em Toronto. Informou-me
que em Vancouver estavam a recrutar carpinteiros para o Alasca.
O ordenado que ofereciam era maior do que o que estava a ganhar.
No Labrador, meto-me num avião e atravessei o Canadá
de uma ponta a outra. No dia seguinte à minha chegada em
Vancouver fui ao escritório onde faziam os contratos para
ir para o Alasca. Perguntaram-me se tinha cidadania canadiana.
Disse-lhes que não ao qual me informaram para aquele sítio
só poderia seguir que tivesse cidadania canadiana ou americanos.
Fiquei decepcionado por ter feito uma viagem daquelas com ferramenta
e tudo a ver se ia para o Alasca e não fui. Estive somente
uma semana em Vancouver. Hoje tenho lá um neto e vou proximamente
voltar a visitar aquela cidade ao fim de quase cinquenta anos.
Nessa minha viagem, fui acompanhado de um outro colega. Então
dirigimo-nos ao Unemployment (Instituto de Emprego) onde
nos arranjaram colocação numa cidade pequena Ocean
Falls que tem uma fábrica de papel, que se situa na costa
ocidental do Canadá, onde trabalhamos durante 3 ou 4 semanas,
e depois apanhei o barco para ir para Kitimat onde acabei por
permanecer aproximadamente 3 anos.
Adiaspora.com: Quando chegou a Kitimat já haviam portugueses
concerteza?
A.V.: Em Kitimat havia uma fábrica de alumínio,
a Alcan, e cujos operários eram na maioria portugueses.
Adiaspora.com: Foi trabalhar para a empresa Alcan?
A.V.: Não. Trabalhei na construção
de casas que a Alcan estava a construir para os operários.
Estava a construir uma vilazinha, que hoje é uma cidade
segundo me dizem, para acomodação dos operários.
Alguns tinham já lá mulher e filhos. De portugueses
havia lá o Silveira e o Sebastião que compraram
uma casa em sociedade. O Sebastião mandou vir a mulher.
Esteve lá o Sr. Fernando Ramalho que também esteve,
como eu, em Goose Bay. Fui para Kitimat em 1955. Ao fim de dois
anos e meio regressei a Portugal. Estava a trabalhar de carpinteiro
de cofragem com lama até aos joelhos, serviço do
qual não gostava pois até ali tinha trabalhado sempre
na carpintaria de acabamentos. Mas como naquela altura não
havia outro trabalho fui trabalho para o hospital, que era a única
obra que lá havia. Tinha havido uma quebra no sector do
alumínio e a fábrica quase parou. A Union
(Sindicato) arranjou-me esse serviço, mas só lá
estive uma hora pois despedi-me logo. Eu estava trabalhar, cheio
de lama, e estavam a encher uma parede de cimento e as formas
estavam a ceder. O superintende gritava de cima "Agarra no
jack, agarra num jack!" (macaco) Agarrei num jack
que lá estava no chão mas não sabia como
aquilo funcionava. Ele de lá de cima começou a desatinar,
"I don't know what the hell carpenters I have!"
(Não sei que raio de carpinteiros tenho!). Enervei-me,
subi a encosta e fui direito a uma agência de viagens comprar
o bilhete para Portugal.
Adiaspora.com: Com que então regressou à sua terra?
A.V.: Sim e estive lá cinco anos. Tinha lá a minha
oficina de marcenaria que nunca fechei. Durante todo o tempo que
estive cá, ficava cá ano e meio e depois 6 meses
em Portugal.
Adiaspora.com: Recapitulando, após a sua primeira vinda
para o Canadá, ia regressando esporadicamente a Portugal?
A.V.: Sim. Estava cá ano e meio, voltava a Portugal onde
permanecia 6 meses e depois regressava novamente ao Canadá.
Depois desse aborrecimento em Kitimat estive em Portugal 5 anos
sem voltar ao Canadá. Retomei o meu trabalho na minha oficina
em Peniche. Quem ficou a tomar conta da minha oficina nas minhas
ausências foi o pai da minha esposa. Depois deste desaire
em Kitimat regressei com ideias de ficar em Portugal de vez e
desenvolver a minha oficina. Mas entretanto dão-se os problemas
das antigas colónias portuguesas, em Angola e Moçambique.
O meu filho estava a atingir a idade de ter de submeter o nome
para a tropa e provavelmente teria de prestar serviço militar
na guerra colonial. Para o salvar da guerra, dirigi-me ao Consulado
Canadiano fazer um requerimento para regressar novamente ao Canadá.
Adiaspora.com: Quando regressou ao Canadá?
A.V.: Em 1963. Já cá tinha o meu irmão pois
tinha-lhe feito a carta de chamada antes de ir. A minha família
veio primeiro. Ainda fiquei em Portugal mais seis meses para vender
o meu negócio. Depois juntei-me aos meus no Canadá.
Contudo, só consegui desfazer-me do meu negócio
em 1965.
Adiaspora.com: Desta feita, para onde foi residir juntamente
com a sua família?
A.V.: Vim para Toronto.
Adiaspora.com: Porque escolheu a cidade de Toronto?
A.V.: Eu tinha amigos em Toronto que tinham
estado comigo em Kitimat. A maior parte da malta que esteve em
Kitimat veio aqui para Toronto quando o sector dos alumínios
parou e houve layoffs (despedimentos).
Adiaspora.com: Já aqui em Toronto o que fez?
A.V.: Em Toronto era carpinteiro e um dia tentei importar mobílias
portuguesas para o Canadá. Isto em 1963. Eu, o Fernando
Ramalho e o José Jordão formámos uma pequena
companhia para importarmos mobílias de Portugal, isto é,
fui a Portugal escolher as mobílias. Foram somente duas,
uma da sala de jantar e outra de quarto, mobílias do melhor
que lá se fazia. A mobília de sala de jantar era
estilo D. José e a de quarto estilo Luís XV com
embutidos, floreados, talha, etc. Em Abril por altura da Grande
Exposição aluguei duas estantes onde tive as mobílias
em exposição. A intenção era importar
aquelas mobílias, que não havia cá, ou arranjarmos
clientes para elas. Nós seríamos os importadores
ou intermediários. Eu sonhava com casas como o Eatons,
a levá-los a entusiasmarem-se a adquiri-las. Eu sabia onde
as mobílias eram fabricadas em Portugal, em Gondomar, etc.
Nessa exposição vendi a mobília de sala de
jantar. Não vendi a de quarto que mais tarde dei ao meu
filho por altura do seu casamento.
Adiaspora.com: Não houve muita aderência do público
canadiano a ideia?
A.V.: Não mas durante a exposição
houve muitas pessoas que gostaram das mobílias e do trabalho
que cá não se fazia. Cá faz-se talha mas
é em plástico com moldes, etc. Mas aquelas mobílias
tinha embutimentos de madeira que as pessoas apreciavam. Estivemos
15 dias na exposição. Mais tarde, em 1970, formei
outra vez uma companhia com o meu genro e outro senhor da Jamaica
para importarmos mobílias de Portugal. Fui a Portugal em
1974, no ano da Revolução, carregar um contentor
de mobílias e tive uma casa num primeiro andar na Rua Augusta
(em Toronto) de nome King's Craft Furniture. Não
perdia tempo do meu trabalho. Trabalhava de carpinteiro. Depois
da hora ia para o estabelecimento e fui vendendo as mobílias
pouco a pouco a portugueses. Mas isso já foi uma quantidade
grande mobílias, um contentor cheio de mobílias
diversas, entre as quais as camas de bilros.
Adiaspora.com: Durante quanto tempo teve esse comércio?
A.V.: Aproximadamente ano e meio. Depois fechei. Começou
a diminuir a existência. Vendi tudo a portugueses.
Adiaspora.com: O que se seguiu a essa fase em que ousou abrir
um estabelecimento com artefactos e mobílias portuguesas?
A.V.: Continuei a trabalhar na carpintaria
para uma grande empresa de construção civil canadiana,
a Inducan Construction, onde trabalhava no finishing (carpintaria
de acabamentos) Reformei-me desta empresa há 18 anos.
Adiaspora.com: Voltando um pouco atrás, o que o levou
a emigrar naquele. Porque decidiu sair do seu país?
A.V.: A aventura e a ambição. Todos quantos emigram
é com a ambição de fazer dinheiro.
Adiaspora.com: Na sua opinião o que é preciso para
singrar nesta terra?
A.V.: É preciso ser um bocado aventureiro, por exemplo,
houve muitos que compravam uma casa, arranjavam-na e vendiam,
compravam outra, e assim sucessivamente. Uns lançavam-se
a abrir uma mercearia, ou supermercado. A alguns as coisas correram
de feição e a outros não.
Adiaspora.com: Já mencionou que já regressou várias
vezes a Portugal. Como encontra hoje o nosso país em comparação
com o país que deixou quando emigrou para o Canadá
pela primeira vez?
A.V.: Eu, depois de vir para cá em 1963 pela segunda vez,
todos os anos ia a Portugal. No verão as minhas férias
eram sempre em Portugal. Portanto, estou familiarizado com Portugal
ao contrário de certas pessoas que estão cá
7,8, 9, 10, 15 anos sem irem lá e quando vão ficam
espantados com o que vêem para melhor, outros, por ignorância
ou talvez inveja, vêm para cá dizer mal. Na minha
opinião, Portugal nunca esteve tão bom.
Adiaspora.com: Apesar de estar agora atravessar uma crise económica
financeira?
A.V.: Essa crise financeira já se fez sentir cá
no Canadá por diversas vezes, em todos os países.
Mas a entrada de Portugal na União Europeia, não
se fizeram bem ou se fizeram mal, mas o país desenvolveu
muito e muito rapidamente, talvez em demasia.
Adiaspora.com: Quando cá chegou pela primeira vez, quais
foram os maiores obstáculos com que se defrontou?
A.V.: A língua.
Adiaspora.com: Nessa altura, teve alguns apoios do estadão
canadiano?
A.V.: Não pois nunca precisei.
Durante estes anos todos nunca estive no Unemployment (Desemprego).
Adiaspora.com: Agora vou colocar-lhe uma questão que para
si é um pouco dolorosa. Este ano, decorrem por todo o país
as comemorações dos 50 Anos de Emigração
Oficial Portuguesa para o Canadá. O que pensa desta vaga
de homenagens aos Pioneiros de 53?
A.V.: O que penso é foram aventureiros
como eu pois quando vieram não sabiam se cá havia
alguém (referindo-se aos portugueses). Quando eu
vim, sabia que estavam cá meia dúzia deles. Como
já disse anteriormente, desejo as melhores felicidades
a todos como se para mim fosse. Foi uma grande coisa a emigração
portuguesa ter aberto para o Canadá e até estou
convencido que é o país que maior volume de emigrantes
teve num tão curto espaço de tempo. A malta dantes
ia para América, Venezuela, África mas eram necessárias
cartas de chamada, enfim era um processo mais lento. E o desenvolvimento
que nós temos por aí, comercial e industrialmente.
Os portugueses aqui têm dado cartas. Eu não, pois
as coisas não me correram bem com o negócio das
mobílias. Tentei duas vezes e depois se outros sócios
desistiam, eu ficava sozinho com o meu parco inglês. Por
acaso, quase sempre trabalhei com portugueses. Por conseguinte,
desenvolvi nestes anos todos todo o inglês que talvez pudesse.
Falo muito pouco inglês.
Adiaspora.com: Quer deixar aqui registada uma mensagem às
novas gerações?
A.V.: A minha mensagem é que se mantenham por aqui porque
é um país de grande futuro, o que ainda está
por se revelar. O Canadá ainda está em fase de desenvolvimento.
Recomendo que visitem a terra dos seus pais de vez em quando para
terem conhecimento de onde os seus pais nasceram e verem o país,
que merece a pena. Portugal desenvolveu bastante nestes últimos
anos embora que agora tenha estagnado, agora está parado.
A construção está parada. Dantes havia menos
construção e mais procura e agora há mais
construção e menos procura. Mas isto já se
viu aqui no Canadá e que é capaz ainda de voltar
a dar-se. E o que está agora a acontecer em Portugal não
quer dizer que daqui 2 ou 3 anos que as coisas não melhorem
com o governo que lá está que, na minha opinião,
é bom. Foi buscar uma herança má do Partido
Socialista
Adiaspora.com: Encoraja os jovens a procurar meios de desenvolvimento
no Canadá mas também os aconselha a não se
esquecerem das suas raízes. Muito obrigada Sr. Viola pelo
seu depoimento. Toda a equipe da Adiaspora.com lhe deseja as melhores
venturas para o futuro, agradecendo em nome de todos os portugueses
que fizeram do Canadá o seu país o papel que desempenhou
na abertura destas terras às nossas gentes.
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