CONVERSAS DA DIÁSPORA
- Com o Pioneiro Armando Vieira -
(Angra de Heroísmo, 21 de Novembro de
2003)
Por José Ferreira - Adiaspora.com
Adiaspora.com: Quando emigrou para o Canadá?
Armando Vieira: Vim para o Canadá
em 1953 integrado no grupo de 18 imigrantes açorianos que
embarcou no navio Saturnia.
Adiaspora.com: Fale-nos um pouco sobre a viagem e sua experiência
depois da chegada ao porto de Halifax.
Armando Vieira: Saímos de S. Miguel no mês de Abril
com destino a Lisboa. Já tínhamos sido submetidos
a uma inspecção médica em S. Miguel, mas
quando chegámos a Lisboa fomos novamente submetidos a uma
outra. Saíram 20 homens de S. Miguel para o continente,
dos quais foram eliminados dois. Penso que um sofria de problemas
de saúde relacionados com a pressão arterial e o
outro tinha sofrido uma intervenção cirúrgica
à apêndice, mas tiveram sorte pois o inspector Ferreira
da Costa conseguiu que fossem para o Brasil.
Adiaspora.com: É natural de que parte dos Açores?
Armando Vieira: Sou de Água de Pau, S. Miguel.
Adiaspora.com: Que idade tinha quando emigrou?
Armando Vieira: Tinha 22, quase 23 anos de idade.
Adiaspora.com: Fale-nos um pouco sobre a sua vida em S. Miguel
antes de emigrar?
Armando Vieira: Trabalhava para o meu pai nas terras. Produzíamos
beterraba, chicória, milho, entre várias outras
coisas. Também trabalhava as vinhas que o meu pai tinha
e fazia vinho.
Adiaspora.com: O que o levou a emigrar?
Armando Vieira: Uma grande loucura de embarcar, de sair de lá
para fora. É claro que não nos era permitido sair
do país sem cumprirmos o serviço militar. Tinha
decidido que quando saísse da tropa, iria partir nem que
fosse para a África! Tinha um senhor meu amigo que lia
o jornal a quem tinha avisado que me alertasse quando se inteirasse
de alguma oportunidade de emigrar. Certo dia, ao sairmos da missa,
ele chamou-me. "O Armando, sabes de uma coisa? Há
emigração para o Canadá!" Eram só
um ou dois que tinham o jornal lá na freguesia. Fomos ao
encontro de um deles e vimos o anúncio
Adiaspora.com: Porquê que optou pelo Canada?
Armando Vieira: Era o que havia na altura. Não havia
mais nada. Faziam propaganda para outros locais mas nunca dava
nada. Sentíamos urgência de sair de S. Miguel. Havia
muita pobreza e eu já estava com 22 anos quase 23 e via
que a vida lá não ia dar em nada. Aquela vida bastava
ao meu pai mas não a mim.
Adiaspora.com: Pode falar-nos um pouco
de como foram esses primeiros tempos no Canadá após
a sua chegada em Montreal depois da travessia transatlântica
no Saturnia?
Armando Vieira: Depois da nossa chegada
ao porto de Halifax, viemos de comboio para Montreal onde fomos
alojados numa pensão, pois tínhamos de esperar que
viesse um farmeiro (quinteiro) buscar-nos para trabalhar.
Logo após duas ou três horas de lá estarmos
- estava eu com o Manuel Vieira de pé à espera -
chegou um farmeiro que começou a olhar para nós.
Estávamos lá todos a conversar. Apesar de eu não
ser muito forte, o homem apontou para mim e para o Manuel Vieira,
indicando que fossemos com ele. O inspector que nos tinha acompanhado
de Lisboa, e que sabia falar francês e inglês, informou-nos
que teríamos de ir com o senhor para a sua quinta. Pegámos
nas malas e colocamo-las no porta-bagagem e lá fomos. Ainda
passámos a primeira noite na casa dele. Todavia, no dia
seguinte, por não haver lugar na casa, espetou-nos numa
cabana de arrumação e lá vivi com o Manuel
Vieira durante aproximadamente dois meses e meio. Depois aborreci-me
(ainda era novo) porque o homem estava a abusar de nós.
Trabalhávamos uma média de 16 horas por dia. Como
não queria regressar aos Açores, decidi escrever
para o Consulado Português para saber se podia deixar o
patrão, visto termos sido contratados por um ano. Responderam
que eu tinha bilhete e era livre de fazer o que entendesse com
ele. Um dia, o quinteiro vinha discutir comigo e eu disse-lhe:
"Me, me, Montreal!" O patrão compreendeu que
era para me levar a Montreal. Mas durante a conversa repetia "Portugal?
Portugal?" Ficou com a impressão que iríamos
regressar a Portugal porque não queríamos trabalhar
com ele. Mas eu já estava informado pelo Consulado Português.
Ele levou-nos àquela cidade donde depois segui para outro
farm, onde trabalhava também o Afonso (referência
ao Pioneiro Afonso Tavares).
Adiaspora.com: Manteve-se sempre em Montreal ou deslocou-se para
outras partes do Canadá?
Armando Vieira: Tive vários trabalhos em Montreal em
restaurantes e no Aeroporto Durval mas depois desloquei-me, no
mês de Março de 1957, para Kitimat na Columbia Britânica
onde fui trabalhar para uma fundação de alumínio,
a Alcan. Fui para lá à sorte. Ouvia falar que lá
havia bastante trabalho e que os ordenados eram bons. Tive sorte
pois ao fim de três dias arranjei colocação.
Estive em Kitimat quase trinta anos até me aposentar.
Adiaspora.com: Era solteiro quando emigrou?
Armando Vieira: Sim. Os emigrantes de S. Miguel vieram todos
solteiros. Não veio ninguém casado.
Adiaspora.com: Regressou aos Açores para casar com sua
esposa?
Armando Vieira: Casei por procuração.
Claro, um homem chega aqui com 22, 24 anos e mete-se em Montreal
com as francesas e a namorada lá a pensar que ele nunca
mais aparecerá! Só ao fim de sete anos casei com
ela por procuração. A minha esposa veio para o Canadá
em 1964, directamente para Kitimat onde já tinha casa,
um carrito e o meu trabalho. Ela gostou muito de Kitimat pois
nessa altura já lá haviam portuguesas e a vida era
mais desafogada. Havia mais fartura, máquina de lavar roupa,
um fogão...era muito diferente do que se tinha em S. Miguel.
A minha esposa chama-se Maria de Lurdes Vieira. Tenho dois filhos,
um casal. A minha filha está em Vancouver e o meu filho
em Laval, Montreal onde resido há já 18 anos. Não
queria vir para Montreal mas a minha esposa insistiu por ter lá
irmãos e irmãs com quem gosta de conviver.
O Dr. Carlos César e esposa na entrega
de uma medalha comemorativa ao Pioneiro
Armando Vieira e esposa
Adiaspora.com: Quais foram os maiores obstáculos com que
se defrontou no Canadá?
Armando Vieira: A maior dificuldade com que o emigrante se defronta
é a língua. Como o trabalho não vem ter connosco
a casa, temos de ter força de vontade para sair em sua
busca, apesar de não falar bem a língua. Se não
houver esta força de vontade, é evidente que o emigrante
terá mais esta dificuldade.
Adiaspora.com: Como foi a sua aprendizagem da língua inglesa?
Armando Vieira: Apreendi um pouco quando trabalhei no Aeroporto
Durval em Montreal. Sempre me dediquei mais ao inglês do
que ao francês. Quando fui para Kitimat, já possuía
alguns conhecimentos e a adaptação ao trabalho foi
mais fácil. Na fábrica Alcan não davam trabalho
de qualquer maneira, pois era um serviço perigoso. Como
estava em Kitimat sozinho, frequentei aulas nocturnas de inglês.
Foi o que fiz de melhor. Aprendemos bastante na escola e eu tinha
muita força de vontade.
Adiaspora.com: Já tinha conhecimento de outros portugueses
em Montreal à sua chegada?
Armando Vieira: Não conhecia ninguém.
Veja que quando o farmeiro veio nos trazer a Montreal,
pensámos que nos levaria novamente à pensão
onde estivemos hospedados aquando da nossa chegada pela primeira
vez. Mas isso não aconteceu e tivemos de percorrer a cidade
à procura de um quarto para pernoitar. No dia seguinte,
tentámos voltar ao Consulado Português mas não
encontrámos o local. Pedimos auxílio a um polícia
que ,ao ver o endereço, nos indicou ser muito longe e decidimos
voltar.
Adiaspora.com: Houve alguns apoios por parte do estado canadiano
na deslocação para outras regiões do país.
Armando Vieira: Não. Era tudo do nosso bolso. Éramos
independentes. No Canadá tínhamos liberdade. Podíamos
transitar de um emprego para outro. Nunca houve quaisquer problemas
neste sentido.
Adiaspora.com: Alguma vez sentiu arrependimento em ter emigrado?
Armando Vieira: Não porque a vontade
que sempre senti de emigrar era muito forte. Quando estava a tratar
da documentação para vir par o Canadá, certo
dia, meu pai chegou a casa e disse-me para não vir porque
em conversa com o nosso vizinho, o Senhor António, soube
que o Canadá era um país muito frio onde caía
neve da altura da nossa casa. Chamei o meu pai à janela
e disse-lhe: "Pai, está ver a torre da igreja. Nem
que caia snow (neve) da altura daquela torre, vou!"
Sentia uma grande força que me impelia a partir.
Adiaspora.com: Em sua opinião, o que é preciso
para se singrar no Canadá?
Armando Vieira: Temos de ser pessoa de coragem e temos de esquecer
um certo número de coisas. Necessitamos de ser duros. Por
vezes, na falta de dinheiro, temos de ser capazes de dormir num
banco de jardim, o que se faz bem de Verão mas de Inverno
é difícil. Enfim, temos de ser capazes de enfrentar
tudo. Sem esta qualidade não se faz nada. Sabe porquê?
Porque vi muitos homens chegarem cá e irem embora ao fim
de três, quatro anos. Não tiveram a coragem de resistir.
O emigrante tem de ter a consciência que terá de
deixar a família e que já não poderá
contar com o apoio dos pais. Terá de cozinhar ele próprio,
cuidar-se de si e enfrentar muitas coisas.
Adiaspora.com: Já regressou a Portugal?
Armando Vieira: Antes de estar com a minha esposa viajava muito.
Mas como ela tem medo de andar de avião, não vamos
a Portugal muito assiduamente. Estivemos em S. Miguel quando os
nossos filhos eram pequenos. Adaptei-me bem ao Canadá.
Gosto muito do modo de vida e afeiçoei-me àquele
país.
Adiaspora.com: Este ano, decorrem por todo o país as comemorações
do Cinquentenário da Emigração Portuguesa
para o Canadá. O que pensa desta vaga de homenagens aos
nossos Pioneiros?
Armando Vieira: Foi uma demonstração de respeito
pela coragem e valor daqueles que ousaram partir. Não foi
fácil. Foi preciso tempo para que a aventura desse certo.
Foi preciso ser-se uma pessoa corajosa e respeitadora dos seus
superiores no trabalho para que não tivesse problemas.
Foi um feito muito importante.
Adiaspora.com: O que pensa desta viagem dos Pioneiros aos Açores
a convite do Governo Regional para assistirem a esta homenagem
em vossa honra e onde foi possível reunir amigos que não
se viam há quase cinquenta anos?
Armando Vieira: Não quero exagerar, mas quando saí
de S. Miguel para o Canadá nunca esperava, acredite, que
um dia nos iriam fazer isto. Foi uma coisa tremenda Não
esperava! Não esperava! Pensava que seria uma simples viagem.
Mas o que encontrei foi bem diferente. Percorremos S. Miguel onde
fomos muito bem recebidos. Depois o Faial e a Terceira. É
incrível! Nós não podemos dizer nada contra.
Foi tremendo! Os jornalistas, o pessoal todo! Nunca esperei tamanha
coisa! Quando regressar a Montreal, alguns rapazes vão
perguntar como correu. Responder-lhes-ei que foi fantástico.
Tenho muitas coisas para lhes contar. Do fundo do meu coração,
nunca esperei que assim fosse. Julgava eu que seria uma coisa
simples. O que de melhor poderiam ter feito?
Adiaspora.com agradece o tempo que nos
dispensou. Queremos deixar o nosso apreço e agradecer a
intrepidez, o espírito indómito e esforço
dos Pioneiros a quem devemos, muitos de nós, o facto de
hoje residirmos no Canadá no seio de uma comunidade portuguesa
bem visível e dinâmica.
(Da esquerda para a direita) Afonso Tavares,
Jaime Barbosa, António do Couto, Manuel Arruda, a Directora
Regional das Comunidades, Dra. Alzira Serpa Silva, Manuel Vieira,
João Martins,
Manuel Pavão e Armando Vieira.
Entrevista exclusiva de Adiaspora.com
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