CONVERSAS DA DIÁSPORA
- Com o Pioneiro Jaime Barbosa -
(Vancouver, 31 de Agosto de 2003)
Por José Ferreira - Adiaspora.com
Jaime Barbosa e sua esposa, Maria Inês
na sua residência em Surrey.
Adiaspora.com: Pode-nos informar quanto ao local e data do seu
nascimento?
Jaime Barbosa: Nasci a 1 de Novembro de 1930 na Freguesia da
Pedreira, Concelho do Nordeste na Ilha de S. Miguel, Açores.
Adiaspora.com: Quando é que emigrou para o Canadá?
Jaime Barbosa: Emigrei em 1953, aos 22
anos de idade. Embarcámos no Saturnia para Halifax,
onde chegámos a 14 de Maio. Depois seguimos para Montreal.
Quando lá chegámos, fomos directamente para a Imigração,
onde fui entregue a um farmeiro (fazendeiro) para quem
depois fiquei a trabalhar. Na altura, vim integrado num grupo
de dezoito Açorianos, ao qual se juntou um grande contingente
de continentais. Já não me recordo quantos éramos
ao todo.
Trabalhei em Montreal cerca de dois anos e meio.
Estive algum tempo na quinta. Depois vim para a cidade trabalhar
na construção. De seguida, chamei o meu irmão
para o Canadá e arranjei-lhe trabalho na empresa de construção
onde estava então empregado. Mas depois houve falta de
trabalho, e o meu irmão levou layoff (despedido).
Ele esteve muito tempo em casa sem trabalho. Tentei falar com
o meu big boss (patrão) a ver se lhe arranjava alguma
coisa, mas não havia trabalho. Tenho família na
Califórnia e a minha madrinha disse-me: "Muda-te para
cá. O clima é bom e há muito trabalho por
aqui." (Nota da Redacção: referência
à costa ocidental, ou seja a região da Columbia
Britânica). E assim, em 1955, fui para Kitimat para
ver se conseguia ingressar na fábrica de alumínios
(Alcan), mas não havia grandes hipóteses.
Aconselharam-me a tentar arranjar alguma coisa nas linhas do caminho-de-ferro
até aparecer vaga na fábrica. Um dia, estava eu
a trabalhar na linha por detrás da fábrica, e os
portões estavam abertos. Espreitei para ver como era aquilo
lá dentro. Era tudo tão feio...Vi os trabalhadores
vestidos com as suas roupas de lã, a poeira e aquele calor
infernal. Disse cá para os meus botões: "Não,
isto não é p'ra mim." Passado cerca de mês
e meio, decidi vir para Vancouver para ver se arranjava alguma
coisa. Trabalhei naquela cidade alguns anos na construção,
limpeza de neve, e numa fábrica de plywood (aglomerado
de madeira)
Depois, o meu cunhado comprou uma farm
(quinta) na região do Vale do Rio Okanagan. Larguei o me
trabalho aqui e fui lá para cima onde também comprei
um farm. Ali, dediquei-me durante 28 anos ao cultivo de
maçãs, pêssegos e melões até
me aposentar. Depois comprei a minha casinha aqui, na cidade de
Vancouver, e aqui me encontro.
Adiaspora.com: Pode-nos falar um pouco sobre a sua vida e a dos
seus familiares antes de emigrar?
Jaime Barbosa: Em Portugal era camponês. Depois de ter
cumprido o serviço militar, a minha intenção
era ingressar na Polícia. O padre da minha freguesia, que
era muito meu amigo, sugeriu que permanecesse um ano na Polícia
para depois me transferir para a Guarda-Fiscal. Afinal, quando
estava a tratar da documentação, apareceu a oportunidade
de emigrar para o Canadá. Fui ter com o padre para lhe
pedir um conselho quanto a decisão mais acertada a tomar.
Este respondeu: "O pá! (pegando no mapa) O Canadá
faz fronteira com a América. A moeda é forte, é
um país frio mas vai falar com o senhor Gabriel que esteve
na marinha, pois esse homem deve conhecer o Canadá."
Assim fiz. Encontrei-me com o senhor Gabriel e fiz-lhe várias
perguntas sobre o Canadá. Este disse-me que o Canadá
era um país lindo e que tinha estado em Montreal. Mais,
disse que os canadianos eram mais civilizados do que os americanos...
"Olha que o Canadá é um país frio, mas
eles dão agasalhos. Se fosse eu, ia para o Canadá
e não para a Polícia." Com a ajuda do pároco,
que tinha muitos conhecimentos, inscrevi-me e lá vim eu
para o Canadá!
Adiaspora.com: Ao embarcar já tinha conhecimento de algum
outro português aqui radicado?
Jaime Barbosa: Não, não conhecia ninguém
neste país.
Adiaspora.com: Quer-nos descrever a sua viagem para cá?
Jaime Barbosa: Saímos de Ponta
Delgada no navio Lima para Lisboa. Estivemos na Junqueira onde
fomos inspeccionados por médicos canadianos. Dois homens,
que ostentavam cicatrizes de antigas cirurgias a que foram submetidos,
foram recusados. A estes foi-lhes dada a oportunidade de emigrar
para o Brasil caso não quisessem regressar às suas
terras e para lá foram.Assim, saímos 18 açorianos
no Saturnia rumo a Halifax. Quando chegámos a Montreal
dispersámo-nos por aqueles arredores.
Adiaspora.com: Como era Kitimat nesses velhos tempos?
Jaime Barbosa: Bem, estive dois anos em Montreal. Daí
que quando cheguei a Kitimat já havia lá alguns
portugueses a trabalhar na fábrica de alumínios.
Foi a estes que pedi informações sobre como e onde
arranjar trabalho.
Adiaspora.com: Quer-nos falar um pouco sobre o desenvolvimento
da comunidade portuguesa nesta região ao longo dos anos?
Jaime Barbosa: Quando nós chegámos a esta região
não havia portugueses, não havia ninguém.
Agora, chega aqui um indivíduo de Portugal tem amigos,
familiares e muita orientação. Logo se emprega.
A vida é muito diferente. É tudo muito mais fácil.
Mas a vida dos primeiros imigrantes era uma coisa triste.
Adiaspora.com: Depois de ter cá chegado, quanto tempo
esteve sem falar português?
Jaime Barbosa: Uns meses. Como estava
em Montreal, nesses primeiros tempos entusiasmei-me a aprender
o francês. Já estava bem adiantado quando sai do
Quebeque. Como vim para esta Província, onde se fala o
inglês, acabei por perder o francês ao iniciar a aprendizagem
do inglês. Todavia, o francês foi-me vantajoso, pois
conseguia dirigir-me a repartições como a Imigração
sem qualquer dificuldade. Pensava eu, quando cá cheguei,
que o francês seria a minha língua de futuro, mas
assim não foi.
O Pioneiro Jaime Barbosa na companhia de José
Ferreira da Adiaspora.com
Adiaspora.com: Atrás mencionou a linha ferroviária
de Kitimat em cuja construção chegou a trabalhar.
Pode-nos dizer se o troço em que trabalhou foi o que ligava
Kitimat a Terrace?
Jaime Barbosa: Não posso precisar. Sei que a linha seguia
da fábrica de alumínios por ali fora. Nunca perguntei
para onde iam aquelas linhas. Limitava-me a trabalhar e mais nada.
Adiaspora.com: Em 1953, como era o mercado de trabalho para um
português recém-chegado?
Jaime Barbosa: Naquela altura era a agricultura.
Viemos contratados para trabalhar nos farms (quintas) onde
ganhávamos $60.00 por mês, $2.00 por dia! O contrato
incluía alojamento e alimentação.
Adiaspora.com: Quais foram os obstáculos maiores com os
quais se defrontou?
Jaime Barbosa: Saudades da família. O dinheiro não
era muito, mas era jovem, e tudo passou. Já sabia que iria
sofrer consequências no princípio, que, numa terra
nova, numa terra de futuro, passaria pelas dificuldades de uma
nova língua, e por vários trabalhos. Mas eu queria
era criar raízes neste país. Nos inícios,
ainda me lembrava, de quando em vez, de voltar para Portugal,
mas acabei por me convencer que tinha de aprender a língua,
e tentar safar-me como os outros. Via as pessoas com os seus carros
à porta, seus camiões, seus tractores... enfim,
com a sua vida formada, com as coisas que lá não
tínhamos. Agora já tudo existe em Portugal, mas
naquele tempo não havia. Toda a pessoa lá que tivesse
um burro era considerada rica! Naquele tempo, aquilo era uma pobreza
autêntica. Entre dias bons e outros aborrecidos, o tempo
foi-se passando até melhorarmos a vida.
Adiaspora.com: Como decorreu a sua aprendizagem do inglês?
Jaime Barbosa: Lá fui aprendendo aos poucos.
Adiaspora.com: Que apoios obteve, nos primeiros tempos em Montreal,
das autoridades canadianas ou portuguesas como o Consulado?
Jaime Barbosa: Não quero enveredar por aí. Essa
história não. Não quero falar sobre o que
se passou.
Adiaspora.com: Mas teve conhecimento de algum imigrante que tivesses
recebido auxílio das autoridades?
Jaime Barbosa: Ajudavam alguns e outros não.
Adiaspora.com: Existia, nesse tempo, algum apoio do estado canadiano
aos novos imigrantes, por exemplo, se estes quisessem deslocar-se
para outra região do país?
Jaime Barbosa: Não. Se alguém
quisesse mudar-se, a carteira é que cantava. A Imigração
não prestava ajuda alguma. O que sei dizer é que
os imigrantes tinham um contrato de um ano com os farmeiros
(fazendeiros) e depois eram livres de irem para onde quisessem.
Adiaspora.com: Os portugueses eram bem tratados pelos fazendeiros?
Jaime Barbosa: Não quero falar nesse assunto. A uns davam
de comer, outros passaram fome. Não quero dizer o que se
passou comigo.
Adiaspora.com: Sente algum arrependimento em ter emigrado?
Jaime Barbosa: Não. Agora estou satisfeito. Casei e formei
a minha família, tudo com os meus trabalhitos. Já
conhecia a minha esposa, Maria Inês, há muitos anos.
Casámos por procuração a 4 de Novembro de
1960, tendo a minha esposa chegado aqui, à Columbia Britânica,
a 24 de Maio de 1961. Agora, posso dizer, aos 72 anos de idade,
que estou satisfeito com a vida.
Adiaspora.com: Na sua opinião, o que é preciso
para progredir nesta terra?
Jaime Barbosa: As coisas não aparecem
debaixo da porta. É preciso trabalhar e levar a vida com
paciência. O tempo chega. Uns têm a vida mais avançada
do que outros, pois não somos todos iguais. Nem todos têm
a sorte de ganhar o 649! (lotaria)
Adiaspora.com: Tem quantos filhos?
Jaime Barbosa: Duas raparigas, Lúcia e Rita, e um rapaz,
Frank. Mas ainda não tenho netos.
Adiaspora.com: Acha que esta região tem algumas semelhanças
com a sua terra natal?
Jaime Barbosa: Enquanto o terreno em
Montreal e Toronto é todo plano, o clima, as montanhas,
as flores e o mar nesta região faz-nos lembrar um pouco
as nossas ilhas. A viagem para Portugal daqui é um pouco
longa, mas também não vou a Portugal todos os anos.
Vou de três em três anos. Mas aqui vivemos num bom
lugar. Estive em Portugal há quatro anos, e tenciono voltar
para o próximo ano, se tiver vida e saúde. Mas regressar
de vez nunca mais, pois a minha família, e a da minha esposa,
está toda aqui. Tenho os meus filhos que trabalham cá.
O que é que vou fazer para lá? Quero ir de visita,
e passar umas três semanas, um mês, para ver aquilo,
estar com os velhos amigos, e passar uns dias na minha freguesia.
Adiaspora.com: Este ano, decorrem por todo o país as comemorações
dos 50 Anos da Imigração Portuguesa para o Canadá.
O que pensa desta vaga de homenagens aos nossos pioneiros?
Jaime Barbosa: Senti orgulho e prazer
em participar nestas festividades, pois foi bom ver que o nosso
esforço não foi esquecido. Acho que estas homenagens
foram muito positivas, pois assim a nossa história será
lembrada pelos mais novos.
Os Pioneiros Eurico da Silva (direita) e Jaime
Barbosa (esquerda)
e Maria dos Anjos da Silva,
filha do falecido Pioneiro Carlos Augusto da Silva
Adiaspora.com deseja ao Senhor
Jaime Barbosa muita saúde e muitos anos de vida na companhia
de sua família. Os nossos agradecimentos pela esplendorosa
hospitalidade demonstrada pelo Senhor Barbosa e sua esposa, Dona
Maria Inês, aquando da nossa deslocação à
cidade de Vancouver ao encontro dos nossos Pioneiros que por ali
residem.
(Da esquerda para a direita) Afonso Tavares,
Jaime Barbosa, António do Couto, Manuel Arruda, a Directora
Regional das Comunidades, Dra. Alzira Serpa Silva, Manuel Vieira,
João Martins,
Manuel Pavão e Armando Vieira.
Entrevista exclusiva de Adiaspora.com
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