CONVERSAS DA DIÁSPORA
- Com o Pioneiro João Martins -
(Açores, 21 de Novembro de 2003)
Por José Ferreira - Adiaspora.com
Adiaspora.com: Quando emigrou para o Canadá?
João Martins: Emigrei em 1953, tendo chegado a Halifax
a 13 de Maio.
Adiaspora.com: Integrou o grupo de açorianos
que foram para Lisboa donde partiram para o Canadá no navio
Saturnia. Pode contar-nos um pouco da experiência
que viveu desde a sua saída de S. Miguel até chegar
ao porto de Halifax no Canadá?
João Martins: Até Halifax foi bom pois na viagem
tive sempre companheiros que falavam a minha língua. Fomos
20 homens de S. Miguel para Lisboa onde, nas inspecções
médicas efectuadas por médicos canadianos, dois
foram eliminados, tendo estes seguido para o Brasil. E continuámos
os 18 restantes para Halifax. A viagem foi boa. Passámos
a viagem com uns a chorar e outros a cantar. Depois de chegar
a Halifax, as coisas mudaram. Fomos muito bem recebidos à
chegada pelas autoridades canadianas. Depois tomámos o
comboio para Montreal onde nos dirigimos directamente para a Casa
de Imigração. Estivemos lá à espera
que os patrões nos viessem buscar para trabalhar. Uns esperaram
mais do que outros. Eu, por acaso, estive nove dias. Fui dos últimos
a sair. A partir daí continuou a nossa tarefa com grande
dificuldade na comunicação com os patrões.
A língua falada naquela zona era o francês que para
mim era mais fácil do que o inglês. A gramática
e ortografia são semelhantes à nossa. O inglês
é muito diferente.
Adiaspora.com: Quanto tempo esteve em Montreal?
João Martins: Estive muito tempo
em Montreal. Ao todo, foram 15 anos na Província do Quebeque.
Depois de sair do farm (quinta), fui trabalhar para as
madeiras, como dizíamos, para o norte do Quebeque. Estive
lá um ano e depois regressei outra vez a Montreal. Fui
então ainda mais para norte, para o Labrador, para uma
zona a norte de Seven Islands, e onde fiquei seis anos durante
os quais fui a S. Miguel, e casei. Deixei a minha esposa na casa
dos meus pais, vim para cá novamente. Depois em 1960 resolvi
regressar a S. Miguel à minha terra onde, entretanto, tinha
comprado uns bocadinhos de terra e onde passei onze meses. Regressei
novamente ao Canadá porque tive de fazer uma carta de chamada
a uma irmã minha que estava em S. Miguel bem pobrezinha
com os seus garotinhos. Vim e fiz as cartas de chamada à
minha esposa e irmã. Depois nasceu lá uma filha
e a vida tomou outro rumo. Deixei de pensar em S. Miguel e comecei
a fazer vida no Canadá. Vivi 15 anos no Quebeque. Depois
vim para a cidade de London na Província do Ontário
onde hoje resido já há mais de 30 anos. Trabalhei
sempre na construção civil, trabalho do qual sempre
gostei. Em London nasceu mais outra filha. Portanto, tenho filhos
e netos e o Canadá hoje é a minha vida.
Adiaspora.com: Em que ano regressou aos Açores para casar?
João Martins: Estava no Canadá há quatro
anos quando voltei a S. Miguel em 1957 para casar. Deixei a minha
esposa em casa dos meus pais e regressei a Labrador para o mesmo
trabalho que tivera. Estive lá mais 3 anos. A minha esposa
foi para o Canadá em 1961.
Adiaspora.com: O que o levou a emigrar?
João Martins: Como sabe, a nossa
terra era pobrezinha. Não era como hoje. Trabalhávamos
de sol a sol e nunca chegávamos a ter nada. Era já
um homenzinho e não via nada, nem sequer uma luzinha à
minha frente donde espreitasse uma pequena esperança! Não
via nada! Depois fui para a tropa e quando saí, a vida
continuava na mesma. Era novo e questionava-me o que deveria fazer
da minha vida. Nessa altura, aparece um edital na igreja da minha
terra pedindo pessoal para o Canadá. Inscrevi-me e depois
dirigi-me à Câmara Municipal da Ribeira Grande, que
é o meu concelho, e pouco tempo depois fui chamado. Fui
dos últimos a inscrever-se e dos primeiros a ser chamados.
O processo continuou com inspecções e provas e fomos
para Lisboa. Custou muito a arranjar o dinheiro naquele tempo.
O meu pai tinha um amigo que já tinha estado nas Bermudas
e que tinha umas patacas. Conseguimos arranjar o dinheiro e lá
fui eu.
O Dr. Carlos César e esposa em convívio
com o Pioneiro
João Martins e esposa após a entrega de uma medalha
comemorativa.
Adiaspora.com: Já tinha conhecimento de outros portugueses
radicados no Canadá quando embarcou?
João Martins: Não. Vim a travar conhecimento com
um português do continente, dois ou três anos mais
tarde, nas minhas viagens do norte a Montreal quando vinha de
férias. (A companhia até nos pagava uma estadia
de uma semana em Montreal.) Na altura, este senhor já tinha
a sua família naquela cidade. As suas duas filhas já
frequentavam lá o liceu. Tinha vindo para o Canadá
da França e tinha cidadania francesa. De resto, não
conheci mais ninguém. Dizem que havia outros portugueses
vindos da Argentina e Venezuela.
Adiaspora.com: Fale-nos um pouco sobre a cidade de Montreal nesses
tempos em comparação com os dias de hoje?
João Martins: Era muito diferente. A vida no Canadá
para os imigrantes portugueses hoje é muito fácil.
Hoje, temos doutores e advogados portugueses, rádio e televisão
e muitos comércios. Em 1960, quando saí de Montreal,
já havia muitas destas coisas. Mas os tempos em que cheguei
ao Canadá eram escuros! Ao fim de um ano, quando começámos
a falar um pouco de francês, já foi mais fácil,
pois já nos desenrascávamos. No que respeita ao
trabalho, eram serviços que não sabíamos
fazer mas éramos novos e tínhamos saúde.
Tudo se fazia. Nunca tive medo ao trabalho que, por acaso, servia
de escape. Quando estava sozinho sem trabalhar pensava muito na
minha terra, nos meus amigos e na minha família. Houve
tempos em que as saudades apertaram de tal modo que acabei por
voltar aos Açores, mas a vida não correu de feição
e tive de regressar novamente ao Canadá.
Adiaspora.com: Naqueles primeiros tempos, após terem terminados
os contratos nas quintas, havia alguns apoios de governo canadiano
na deslocação para outras regiões do país?
João Martins: Os apoios que haviam eram as Casas de Imigração
que nos forneciam informações mas não nos
pagavam a passagem para outras zonas.
Adiaspora.com: Alguma vez arrependeu-se de ter emigrado?
João Martins: Muitos de nós quando chegámos
a 13 de Maio. Na viagem de comboio de Halifax para Montreal, o
Manuel Pavão viajou ao meu lado. Disse-me ele: "O
João, se este comboio tivesse como destino Ponta Delgada
era a minha alegria. E tu?!" "Eu também!"
respondi eu. Estávamos um pouco desorientados e confusos
mas depois de algum tempo, de termos começado a trabalhar
e ver o que o Canadá era, e uma luzinha de esperança,
nunca mais me arrependi de ter vindo.
Adiaspora.com: Regressou várias vezes a Portugal?
João Martins: Não, só em 1957 quando casei.
Adiaspora.com: Tem filhos e netos?
João Martins: Tenho duas filhas e dois netinhos.
Adiaspora.com: O que achou do todo o reconhecimento que o Governo
Regional dos Açores e as autoridades locais das ilhas de
S. Miguel, Terceira e Faial têm vindo a demonstrar aos Pioneiros
nesta viagem aos Açores?
João Martins: É uma coisa formidável! Nunca
esperava que fizessem tanto por nós! Não sei se
merecemos ou não, mas é formidável. Nunca
julguei que o Governo Regional dos Açores tivesse tanta
consideração pelos Pioneiros. Não tenho palavras
para agradecer e é uma página da história
que jamais esquecerei!
Adiaspora.com deseja ao Pioneiro João Martins um futuro
próspero e largos anos de vida junto dos seus. Mais, agradece-lhe
o depoimento que gentilmente nos concedeu no qual connosco partilhou
as experiências de um Pioneiro que contribuiu, como os outros,
para o engrandecimento da presença lusa em terras do Canadá.
(Da esquerda para a direita) Afonso Tavares,
Jaime Barbosa, António do Couto, Manuel Arruda, a Directora
Regional das Comunidades, Dra. Alzira Serpa Silva, Manuel Vieira,
João Martins,
Manuel Pavão e Armando Vieira.
Entrevista exclusiva de Adiaspora.com
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