CONVERSAS DA DIÁSPORA

- Com o Pioneiro Vasco Moreira -

(Fajã de Cima, S. Miguel, Açores, 16 de Novembro de 2003)

Por José Ferreira - Adiaspora.com


Vasco Moreira na sua residência na Fajã de Cima.

Adiaspora.com: Integrou o grupo de Pioneiros açorianos que partiu para o Canadá no Saturnia em 1953?

Vasco Moreira: Sim. Após termos sido inspeccionados aqui em S. Miguel, embarcámos no Lima para Lisboa. Fomos 20. O inspector que veio cá buscar-nos foi o Dr. Mário Ferreira da Costa. Estivemos três semanas em Lisboa. Tivemos de tratar de vários documentos e fomos novamente sujeitos a análises médicas e exames, ao fim dos quais foram excluídos dois rapazes. Um deles era dos Arrifes, o José Cordeiro Amarelo, que era meu amigo. Tinha feito uma operação e os médicos viram a cicatriz e excluíram-no. O outro tinha, se a memória não me falha, qualquer problema relacionado com a pressão arterial. O inspector Ferreira da Costa deu-lhes a escolher entre regressarem ou partirem para o Brasil. Optaram os dois pelo Brasil. Os restantes 18 ficaram apurados com outros 80 ou 100 homens do continente. Embarcámos nos Saturnia para Halifax. Uma vez lá, as nossas malas foram revistadas após o qual apanhámos o comboio para Montreal onde, à chegada, fomos encaminhados para a Imigração. Cônsul de Portugal, um padre brasileiro, estava lá para nos receber. Foi a única pessoa que eu lá vi. Depois, um inspector veio seleccionar quatro ou seis homens para seguirem para a região de Cherbourg. Já tinham conhecimento quais os que tinham convite para trabalhar nos farms (quintas). O inspector acompanhou-me até à casa do patrão onde estivemos a conversar com ele, tendo este nos informado que se eu quisesse ficar a trabalhar lá, poderia fazê-lo.

Adiaspora.com: Qual foi o seu primeiro trabalho no Canadá?

Vasco Moreira: Na lavoura num farm (quinta) de vacas. Até me deu jeito visto ter sido criado na lavoura.

Adiaspora.com: Exerceu sempre esta actividade no Canadá?

Vasco Moreira: Fiquei na quinta cerca de dois anos. Os donos eram uma belíssima família! Penso que de todos os imigrantes que chegaram naquela altura, fui o que melhor colocação conseguiu. Ao fim de oito meses, um nosso colega foi ao nosso encontro, acompanhado de um português do continente que o levou até nós como este não sabia falar inglês ou francês. Não sei como este continental veio parar ao Canadá pois não viera integrado na vaga de imigração oficial. Ao encontrarmos de novo o nosso colega, este desabafou entristecido: "Ai se fosses meu patrão! Esse meu patrão, esse gajo tratou-me tão mal. Não me dava comida. Vi-me embora!." "Olha, vem trabalhar connosco, pois esta é uma belíssima família!": respondi eu. Por norma, jantava com a família à mesa. Os filhos estavam num quarto e eu noutro. Até me faziam a cama! Estava a principiar vida no Canadá e o que era terrível nesses tempos era não saber a língua. Hoje, os que para lá vão, já não sentem esta dificuldade pois agora há muitos portugueses no Canadá. Naquele tempo não havia ninguém. Tínhamos de nos virar! Mas eu estava muito bem junto daquela família. Não fui o primeiro trabalhador estrangeiro naquela quinta pois já lá estivera um rapaz da Checoslováquia que, algum tempo após a minha chegada, foi para a América. Estive naquela quinta por volta de dois anos. Tinha uma prima na América cujo marido tinha um sobrinho a trabalhar numa fábrica em Kitimat na Columbia Britânica. A minha prima disse-me que estava a ganhar pouco na quinta, $60 por mês, cama e mesa. Sugeriu que tentasse a minha sorte na fábrica de alumínios em Kitimat. Acabei por comunicar ao meu patrão que queria regressar a Montreal sem revelar qual o meu destino verdadeiro, mas este telefonou de imediato para um inspector que se chamava Frasier que tentou dissuadir-me mas que terminou por me levar à estação de Cherbourg. Uma vez em Montreal, acabei por me reunir com os outros meus colegas. Foi uma alegria pois estivera dois anos sem falar português com ninguém! As minhas conversas na quinta limitavam-se aos cumprimentos "Good morning" de manhã e "Good night" à noite. Encontrei então uns colegas que tinham vindo dois anos depois de mim. Estavam alojados numa casa em Montreal. Tentaram persuadir-me a ficar com eles mas eu disse-lhes que já tinha planos para ir para a fábrica de alumínios em Kitimat. "Não vás para lá. Isso é tão longe!" Quando saí de Montreal, foram alguns rapazes portugueses comigo. Em Kitimat já senti mais facilidade em comunicar com os colegas de trabalho. Ali falava-se mais o inglês e não o francês como na Província do Quebeque. Arranjei logo trabalho e os outros também noutras fábricas dos arredores onde havia alguns bossas (encarregados) que falavam o francês. Mantive-me lá mais dois anos e depois resolvi regressar a Montreal e finalmente, aos Açores para Santa Maria.,

Adiaspora.com: Quanto tempo esteve no Canadá?

Vasco Moreira: Estive no Canadá cerca de cinco anos ao todo.

Adiaspora.com: Alguma vez regressou ao Canadá desde então?

Vasco Moreira: Fui de visita há dez, onze anos. Tenho lá três irmãos. Durante a minha estadia no Canadá, fiz a carta de chamada para o meu irmão mais novo. Os meus irmãos estiveram muitos anos em Montreal mas depois compararam uma casa em Ville de Anjou onde acabou por falecer o meu pai.

Adiaspora.com: A sua esposa nunca chegou a ir ao Canadá?

Vasco Moreira: Não.

Adiaspora.com: O que o levou a regressar aos Açores?

Vasco Moreira: Para falar a verdade, tive alguns problemas com um boss (encarregado) chamado Tom Smith que era meio tarado. Acabei por ver as coisas um pouco perigosas e decidi voltar. Regressei solteiro. tendo casado depois.

Adiaspora.com: A sua estada no Canadá foi uma boa ou má experiência?

Vasco Moreira: Foram os problemas a que já me referi que me levaram a regressar. Até ali nunca tive qualquer vontade de voltar.

Adiaspora.com: Foi um prazer falar consigo. Adiaspora.com agradece toda a hospitalidade com que nos recebeu e deseja-lhe as melhores venturas para o futuro.


O Pioneiro Vasco Moreira na companhia de José Ferreira da Adiaspora.com

O Sr. Vasco Moreira foi um dos pouco Pioneiros que optou por voltar à terra natal onde hoje reside na Fajã de Cima, S. Miguel, juntamente com a esposa e família. Embora um dos regressados, foi um dos que, em 1953, desbravou caminhos para as migrações açorianas que lhes seguiram.

Entrevista exclusiva de Adiaspora.com