Quando vejo aquelas crianças Africanas, escanzeladas, de rostos caídos, descalças, órfãos de pai e mãe, tão pequeninas, débeis, frágeis, anémicas, todos aqueles rostos daqueles bebés de outros continentes, em tempo de fome, bebés com rostos de velhos, com rostos de Auschwitz, atirados para as privações, o sofrimento, a agonia repentina, e que parecem conhecer, ter percebido de repente toda a nossa história, mais instruídos que ninguém acerca da ciência dos séculos, como se já tivessem passado por tudo, conhecido tudo deste mundo, imundo, que os expulsa…
Quando vejo, todos aqueles seres inocentes, agarradinhos uns aos outros, protegendo-se, de olhares de adultos pobres e de velhos pobres – mas ainda se pode saber que idade têm? Esses rostos magoados, melancólicos, esses corpos de pessoas que já não são consideradas pessoas, mas fantasmas esqueléticos, sombras de meninos esquecidos por lá, amontoados, caídos e sem força!
Encontramos esta agregação de anonimatos, desmultiplicada, nessas multidões imensas abandonadas noutros continentes, populações inteiras, às vezes, entregues à fome, às epidemias, a todas as formas de genocídio, e com frequência dominadas por potentados reconhecidos e apoiados pelas grandes potências…que semeiam miséria, só misérias. Multidões de África e da América do Sul. Miséria do subcontinente indiano, e tantas outras! Escalas monstruosas e a indiferença ocidental perante a morte lenta e as hecatombes que ocorrem a distâncias que são as de banais destinos turísticos.
Indiferença perante as massas de vivos sacrificados; alguns minutos de emoção, no entanto, quando a televisão difunde duas ou três imagens dessas desgraças, dessas torturas, e nos embriagamos discretamente com as nossas indignações magnânimas, com a generosidade das nossas emoções e os nossos apertos de coração banhados na satisfação ainda mais discreta de sermos apenas espectadores – mas dominantes. Só espectadores? Sim! Mas somo-lo e somos portanto testemunhas; estamos informados. Rostos e cenas, bandos de esfomeados, de deportados, massacres chegam aos nossos sofás, aos nossos maples, às vezes em tempo real, quanto mais não seja por intermédio de ecrãs televisivos, entre duas doses de publicidade.
A nossa indiferença, a nossa passividade face a esse horror distante, mas também ao que nos está contíguo (menos maciço, mas não menos doloroso) anunciam os piores perigos. Tantas crianças, meu Deus, subdesenvolvidas, desnutridas, enfermas, magoadas, violadas…essa pobreza alastrante, tão integrada em certas paisagens, em capa de revistas, em jornais, na Internet, no telemóvel…muito pouco lúcida quanto à urgência do uso da lucidez?
Nós por cá, todos bem, graças a Deus! Andamos gordos, banhados em colesterol, em stress e em políticas. É preciso cuidado com a saúde, temos que andar a pé, beber muita água, emagrecermos…!
Tenham cuidado convosco!
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