Neste início de Setembro, os locais de veraneio assumem vida nova. Na Ponta leste da Ilha do Pico, da Manhenha ao Calhau, passando pela Engrade e pelo Cais do Galego, os habitantes da freguesia da Piedade descem às adegas para fazerem as vindimas e festejarem a alegria de mais uma colheita.
A adega antiga era como uma segunda casa, embora sem os cómodos da residência.
Na cozinha, em parede esburacada para libertar o fumo do lar, cozinhava-se, habitualmente, batatas e peixe fresco ou seco. À noite, quando se preparava a ceia, do fumo exalava um cheiro a peixe assado que corria todo o povoado. As refeições eram feitas na rua, ou na loja em cima de uma selha de esmagar a uva.
Nas adegas mais pequenas, as pessoas dormiam no chão, em esteiras. O calor não pedia muitos agasalhos, nem havia colchões de folha de milho para todos. Na loja, assobradada com caruma de pinheiro, os homens passavam a noite, atentos ao mexer das uvas nos balseiros e ao apertar do cincho do lagar. Não se perdia uma gota de vinho, porque no ano seguinte, podia não haver.
Aos serões, os vizinhos reuniam-se em casa de uns e de outros e jogavam às cartas, à luz da vela, da candeia ou da lamparina de petróleo. Estavam para ali, até lhes dar o sono.
No outro dia, a labuta das vindimas, começava mal o sol despontava no horizonte, em frente à Terceira. Nestas pedras de basalto negro, o sol da manhã queima a valer e quem não começa a vindima cedo, não tem forças para retomar as canseiras depois do almoço abundante e requintado, servido a quem ajudou um amigo.
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As adega na engrade |
As adegas, sem a dimensão,- já sabe – das assim chamadas no continente, são bens de grande valor estimativo e, por estes lados, não há quem uma não possua no seu património.
Outrora, junto à adega, construía-se um tanque ou cisterna com eirado, cuja função se revestia de grande importância para as lides domésticas e para o amanho das vinhas e do vinho. A frescura da água do tanque, quando bebida pelo balde de cedro, era uma autentica delícia. Numa cavidade lateral, no interior da cisterna, conservava-se também alguns alimentos mais perecíveis: carne, manteiga, etc.
Fazia parte das adegas mais antigas o forno, construído fora ou dentro de casa. Cozia-se nele, pelo menos uma vez por semana, o pão e o bolo de milho, que se guardava em caixa de madeira, ou na caliçada, embrulhado em toalha asseada, e passava-se figos com que mais adiante se brindavam os convidados da matança de porco.
Junto à adega, havia quem tivesse currais de galinhas e até de porco. Outros deslocavam-se, de manhã e à noite, de cavalo ou de burro, à freguesia para cuidar dos animais do pé da porta: bovinos e aves.
A adega foi e é - agora com maioria de razão - uma residência de verão graças às benfeitorias de conforto que lhe foram introduzidas. Algumas são edifícios tão grandes e modernos que contrastam com as antigas e pobres casas de pedra negra de muitos dos seus proprietários.
Melhorou-se esse aspecto, mas perdeu-se o convívio alegre e simples das famílias e dos amigos. Presentemente, as pessoas dispersam-se pelos bares dos salões e pelas casas de diversão.
Sem ser passadista, concordo com o que diz o povo: o melhor tempo é o que já passou. Por isso continuo a chamar adega à nossa casa da Engrade.
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