topo
linha2

Fotogaleria

 


Caderno Londrino

Texto: e Fotos de A. Pereira
Adiaspora.com

Rendição da Cidade de Lisboa a D. Afonso Henriques. Pintura a óleo
de Joaquim Rodrigues Braga. (Museu Nacional Soares dos Reis)

Os laços históricos que interligam os destinos da Nação Inglesa e de Portugal remontam aos primórdios da formação do Reino Luso por iniciativa de D. Afonso Henriques. Após uma tentativa falhada, em 1142, de tomar dos Mouros a cidade de Lisboa, então a cidade mais próspera do califado de Balata, no ocidente ibérico, surgiu nova oportunidade em 1147. Aproveitando a vinda de um contingente de cruzados ingleses, escoceses, flamengos, alemães, lorenos e normandos que aportaram o Porto a caminho da Terra Santa, D. Afonso Henriques contou com os poderes de persuasão do Bispo da Invicta Cidade, D. Pedro Pitões, para os convencer a prestar o seu auxílio na libertação de Lisboa do domínio mouro. Invocando a justeza e moralidade do empreendimento, que livraria aquela região do infiel islâmico, o Bispo do Porto mobilizou o que, na realidade, era um grupo d mercenários sedentos de aventura e espólio que embarcara do porto inglês de Dartmouth, em Maio de 1147, tendo chegado ao Porto a 16 de Junho do mesmo ano.

O contributo do contingente inglês na vitória alcançada pelo D. Afonso Henriques foi significativo, se julgarmos pelo facto de que foi o sacerdote inglês Gilberto de Hastings o eleito para assumir o Bispado de Lisboa, após as forças vitoriosas terem degolado o bispo moçárabe da cidade. A troco da sua ajuda militar, o fundador de Portugal concedeu aos cavaleiros estrangeiros o direito de pilhar e saquear a cidade à sua vontade, e de tratar os vencidos como quisessem, o que resultou em muita carnificina gratuita. O papel desempenhado pelos ingleses no Cerco de Lisboa, mais tarde a nova capital do reino Português, foi de tal importância que foram trezentos cavaleiros ingleses, alemães e flamengos os primeiros a entrarem na Cidade de Lisboa, após a sua queda, o que veio a acontecer volvidos quatro meses de lutas feroz, a 24 de Outubro, tendo D. Afonso Henriques ingressado na cidade somente no dia seguinte, dia 25 de Outubro de 1147.

Para além das relações comerciais que se desenvolveram, no sec. XIV, em torno do bacalhau pescado nas águas gélidas das costas britânicas, e do vinho verde cultivado na região portuguesa de Ribadávia, a complexa teia histórico-política medieva, em que as trajectórias dos monarcas, que presidiam sobre os seus reinos organizados pelo feudalismo europeu, se entrecruzavam, moldavam e consolidavam por meio de alianças, por vezes voláteis e efémeras, assentes maioritariamente em casamentos endogâmicos entre os membros das Casas Reais e dos escalões mais altos da nobreza.

O Legado Lencastriano em Portugal e nas dinastias europeias

Cota de armas de João de Gante, 2ºDuque de Lencastre

Foi nesta conjuntura tumultuada que se forjou a aliança Anglo-Portuguesa, a mais duradoura de toda a Europa e que se mantém até aos dias de hoje. Para a entendermos melhor, teremos de recuar no tempo até à primeira metade do sec. XIV, por altura do reinado de Afonso IV de Portugal, o Bravo. O herdeiro de D. Dinis, o Lavrador, e da Rainha Santa Isabel, tomou como esposa a infanta Beatriz, filha de D. Sancho IV de Castela. Por sua vez, a filha primogénita desta união luso-castelhana, Maria de Portugal, veio a contrair matrimónio, em 1328, com D. Afonso XI de Castela, na mesma altura em que Pedro, o herdeiro de Afonso IV de Portugal, ficou noivo de uma outra castelhana, Constança de Penafiel. Em 1333, Maria de Portugal deu à luz àquele que viria a ser D. Pedro O Cruel, Rei de Castela. O reinado de Pedro o Cruel, o bisneto castelhano de D. Dinis e da Rainha Santa, foi repleto de convulsões políticas e pessoais, que incluíram o encarceramento da esposa, Branca de Bourbon, o casamento bígamo com Joana de Castro, meia-irmã da lendária Inês, uma relação amorosa de longa monta com Maria Padilla, e ainda um sangrento conflito que o opôs a Henrique de Trastamara, filho ilegitimo de seu pai Afonso XI de Castela. Henrique, na sequencia da actuação desastrosa e sanguinária de Pedro o Cruel, que se embrenhara em constantes conflitos armados com o reino aragonês, confrontou-o em 1366, à frente de um exercito de mercenários, obrigando-o a fugir de Castela e procurar refúgio e auxílio junto de Eduardo, o Príncipe Negro, então o herdeiro aparente de Eduardo III de Inglaterra, e afamado guerreiro, tendo sido o grande herói das Batalhas de Poitiers e Crécy contra os franceses.

A campanha, que restitiu Pedro O Cruel ao trono de Castelo no ano seguinte, em 1367, trouxe o Príncipe Negro e o exército inglês a terras portuguesas e espanholas. Contudo, o herdeiro de Eduardo III de Inglaterra depressa apercebeu-se da inconstância e da pouca idoneidade de Pedro O Cruel, afastando-se logo em seguida do seu aliado castelhano, mas já com a sua saúde fortemente abalada.

O séquito inglês neste empreendimento incluía o seu cunhado João Kent, que mais tarde optaria por permanecer em território português, onde fundou, na zona de Guimarães, a casa do Canto, a mesma que, mais tarde, daria aos Açores os ilustres irmãos Pedro Anes e Francisco do Canto, e ainda a filantropa Violante do Canto, sendo ainda hoje uma família de muito prestígio naquelas ilhas atlânticas.

João de Gante, pai de Filipa de Lencastre,
rainha consorte de D. João I de Portugal

Integrado na mesma comitiva, encontrava-se João de Ghent (Gante), o terceiro filho sobrevivente de Eduardo III de Inglaterra, da dinastia Plantageneta, e da sua consorte Filipa de Hainault, e, por conseguinte, irmão mais novo de Eduardo, o Príncipe Negro. Pelo seu casamento com Branca, co-herdeira de Henrique, o Duque de Lencastre, João herdou as terras de Lancaster e ainda o controlo sobre os condados de Derby, Lincoln e Leicester.

À morte do sogro, João ascendeu ao título ducal, em 1361, tornando-se assim, depois do rei, o senhor mais influente e com maior poderio económico em toda a Inglaterra. Depois do falecimento de seu irmão o Príncipe Negro, João de Gante deteve grande poder nas esferas políticas, durante o reinado do seu sobrinho, o malogrado Ricardo II de Inglaterra.

Branca de Lencastre, primeira esposa de João de Gante
e mãe da Filipa de Lencastre

Do seu casamento com Branca de Lencastre nasceram sete filhos, tendo três sobrevivido:

  1. Filipa de Lencastre, que esposou D. João I de Portugal em 1387, dando início àquela que viria a ser conhecida como a Ínclita Geração. Os esponsais reais foram celebrados na sequência da aliança anglo-portuguesa - consagrada no Tratado de Windsor de 1386 e a mais antiga ainda em vigor na Europa - que sucedeu à participação de 600 soldados ingleses na consolidação da toma do trono português por João, o Mestre de Avis, e que viu João de Gante, Duque de Lencastre, a deslocar-se a terras portuguesas, com a finalidade de, em conjunto, derrotarem João de Castela, um dos pretendentes ao trono lusitano, e cujo trono João de Gante ambicionava. A união de Filipa de Lencastre e João I dariam sete reis a Portugal, percorrendo, por conseguinte, nas veias de todos os seus ilustres descendentes o sangue real de Eduardo III de Inglaterra e do seu filho João de Gante, Duque de Lancaster (ou Lencastre).

Nos destinos dinásticos portugueses, o príncipe inglês, João de Gante, foi, assim, o avô paterno de:

Branca de Portugal: faleceu jovem.
Afonso de Portugal:
faleceu jovem.
Duarte de Portugal
: sucedeu ao seu pai no trono de Portugal como o El-Rei D. Duarte I. (O seu nome deriva de “Edward”, sendo este o nome do bisavô inglês Edward III
Pedro, Duque de Coimbra:
regente de Portugal durante a menoridade do sobrinho, D. Afonso V.
Infante D. Henrique, Duque de Viseu: Conhecido pelo Príncipe Navegador, foi o grande impulsionador das Descobertas Portuguesas.
Isabel, Infanta de Portugal:
Contraiu matrimónio de Filipe III, o Bom, Duque da Borgonha, sendo a sua terceira esposa. Mulher esclarecida e uma hábil estratega política, ajudou o esposo a assegurar a independência dos territórios borgonheses, numa conjuntura política complexa, em que os desígnios franceses ameaçavam a soberania do Ducado de Borgonha. Isabel, Infanta de Portugal, foi responsável pelo envio do contingente flamengo para os Açores, acatando ao apelo de seu irmão, o Infante D. Henrique, para lhe fornecer colonos com a finalidade de povoar o arquipélago recém-achado. Isabel desempenhou também um papel preponderante no desfecho trágico da saga de Joana de Arc, ao capturar e entregá-la aos ingleses. O seu terceiro filho, Carlos O Bravo, sucedeu ao seu pai como Duque de Borgonha, tendo os outros dois seus filhos falecido ainda jovens.
Branca de Portugal: faleceu jovem.
João, Infante de Portugal: Sucessor de Nuno Alvares Pereira no cargo de Condestável de Portugal e avô materno de Isabel a Católica de Espanha e de D. Manuel I de Portugal.
Fernando, o Infante Santo:
O mais novo da Inclita Geração, e possuidor de forte pendor religioso, participou na malograda expedição militar de 1437 à África do Norte, liderada pelo Infante D. Henrique. Face ao insucesso do empreendimento lusitano, e como condição para poupar as vidas do que restava do exército português, os mouros exigiram a devolução de Ceuta, tomando o Infante Fernando como refém até à sua consumação. Morreu no cativeiro em Fez, sendo hoje celebrado como um dos grandes mártires da Nação Portuguesa.

  1. Isabel Plantageneta, que casou, em primeiras núpcias, com João Holland, Duque de Exeter, e, em segundas núpcias, com João Cornwall, Lord Fanhope.
  2. Henrique de Bolingbroke, Duque de Hereford e Lancaster e Conde de Derby, que mais tarde ascenderia ao trono inglês como Henrique IV.
Gravura do séc. XV ilustrando um banquete que João de Gante
realizou em honra de D. João I de Portugal

João de Gante procurou, ao longo de sua vida, alimentar as suas ambições através de casamentos estrategicamente favoráveis. Em 1369, após o falecimento de Branca de Lencastre, João tomou como esposa Constança, a filha mais velha de Pedro O Cruel de Castela com a sua amante Maria Padilla, estabelecendo-se João de Gante, Duque de Lencastre, assim, como pretendente ao trono castelhano e leonês. Todavia, em 1387, o mesmo ano em que casara a sua filha Filipa com D. João I de Portugal, abdicou das suas pretensões ao trono de Castela e Leão em favor da sua filha com Constança de Castela, Catarina, que, por sua vez, contraiu matrimónio com Henrique, Príncipe das Astúrias, mais tarde Henrique III de Castela e Leão. Através desta manobra dinástica, os seus descendentes viriam a ocupar o trono de Espanha até 1700, ano do falecimento de Carlos II.

D. Filipa de Lencastre, Rainha de Portugal

O Palácio de Savoy

O Palácio de Savoy, uma das residências de Filipa de Lencastre na sua juventude, situava-se numa das zonas mais privilegiadas de Londres conhecida por The Strand, onde hoje se encontram o Hotel Savoy e o Savoy Theatre. Construído por Pedro de Sabóia (Peter of Savoy), um antepassado da sua mãe Branca de Lencastre, o palácio foi incendiado durante a Revolta dos Camponeses, em 1381. Das estruturas originais que compunham o vasto complexo palacial, resta apenas a Capela de Savoy, sendo esta pertença da Coroa Inglesa. Com a ascensão de Henrique de Bolingbroke, irmão de Filipa, ao trono de Inglaterra, o vasto património lencastriano passou a integrar o legado hereditário dos monarcas ingleses.

Estátua em bronze de Pedro de Sabóia
à entrada do Hotel Savoy, Londres.

 

Placa alusiva ao incêndio que, em 1381, destruiu o Palácio de Savoy, um dos lares londrinos onde Filipa de Lencastre viveu antes de se tornar Rainha de Portugal.

 

Fachada principal da Capela de Savoy.

 

Placa à entrada. Na parte superior direita,
o escudo heráldico da Casa de Lencastre.

 

Fachada lateral da Capela de Savoy.

O seu terceiro casamento, em 1395, desta feita com a sua amante de longa monta, Katherine Swynford, assegurou, mais uma vez, a linhagem de João de Gante na história dinástica da Inglaterra. Da sua relação com Katherine Swynford, João de Gante teve mais quatro filhos: os Beaufort:

  1. João Beaufort, Conde de Somerset e Marquês de Dorset
  2. Henry Beaufort, Bispo de Lincoln, mais tarde de Winchester, e, por fim, Cardeal e Chanceler de Inglaterra
  3. Thomas Beaufort, Duque de Exeter
  4. A sua filha, Joana Beaufort, casou primeiramente com Robert Ferrers de Worn e Oversley; e posteriormente com Ralph Neville, Conde de Westmorland. Os netos de Joana Beaufort incluíram Richard, Conde de Warwick, cognominado de 'o Fazedor de Reis,' e os Reis Eduardo IV e Richard III de Inglaterra.

João de Gante veio a falecer em 1399, na Cidade de Londres, no Palácio do Bispo de Ely, propriedade que alugara ao então Arcebispo de Cantuária, Tomás de Arundel, após o Palácio de Savoy, a sua residência londrina, ter sido incendiado, em 1381durante a Revolta dos Camponeses liderada por Watt Tyler. Embora nunca lograsse ascender efectivamente a nenhum trono, João de Gante foi, todavia, uma das grandes figuras patriarcais dinásticas da Europa, com a sua descendência a proliferar nos meandros monárquicos durante séculos, deixando a sua marca também nos destinos de Portugal.

Ely Place: O Palácio do Bispo de Ely - onde Filipa de Lencastre passou parte da sua juventude e onde o seu pai, João de Gante, veio a falecer, em 1399 - situava-se neste recinto londrino, nas imediações de Holborn.

 

Fachada principal da Igreja de St. Ethelreda. Situada em Ely Place, a capela remonta ao ano de 1250, tendo mais tarde integrado o complexo palacial do Bispo de Ely. Foi frequentada por Filipa de Lencastre, nos anos em que esta viveu no Palácio com o seu pai. A Igreja de St. Ethelreda é a única estrutura remanescente do Palácio do Bispo de Ely, sendo hoje o único exemplar arquitectónico do reinado de Eduardo I de Inglaterra (1239-1307) existente na Cidade de Londres.

 

Nave central e vitral da Igreja de St. Ethelreda.

 

Neste templo londrino, restituído ao catolicismo em 1876, não falta o elemento português, com uma bela estátua de Fernando de Bulhões (Santo António) e o Menino Jesus a ocupar lugar de destaque numa capela lateral à entrada da parte superior da igreja. St Ethelreda é também a mais antiga igreja católica na Inglaterra.

 

Queremos ouvir a sua opinião, sugestões ou dúvidas:

info@adiaspora.com

Voltar para Crónicas e Artigos

bottom
Copyright - Adiaspora.com - 2007