Há uns anos passados não era vulgar falar-se em “Pão por Deus”. Na minha juventude não tinhamos por hábito andar de porta em porta, no “Dia de Todos os Santos” a pedir o pão por Deus. Esse costume veio mais tarde.
Havia porém a tradição de nesses dias, se comerem castanhas cozidas ou assadas. Mas como pelo lado Sul da Ilha não havia castanheiros e se os havia eram raros, e até os frutos não eram bastante desenvolvidos, ia-se até ao Norte, onde abundavam essas árvores com boas produções, principalmente na Prainha.
O Pico é uma ilha de múltiplas valências. Naturalmente porque, sendo a mais “nova” do Arquipélago, e resultante de diversas erupções vulcânicas, cada zona tem a sua especificidade predominante. Uma excepção há para a vinha que se desenvolve em toda a zona costeira da ilha, mas mesmo assim com maior incidência de São Mateus a Santo Amaro e das Ribeiras à Ribeirinha.
Não será o caso das fruteiras, em razão das condições climatéricas, se desenvolveram mais numas zonas do que noutras?
Quem desejasse ter castanhas no mês de Novembro tinha de adquiri-las no Norte: São Roque ou melhor ainda, na Prainha, onde até havia (ainda haverá ?) a Ladeira dos Castanheiros.
Normalmente organizavam-se ranchos de raparigas que, atravessando a Serra, desciam até à Prainha do Norte para adquirir castanhas, por troca de outros produtos ou por compra normal. E lá iam, atravessando a serra, em alegres romarias, para trazer um alqueire ou meio alqueire de castanhas, que eram das melhores que se podiam encontrar.
Todavia, comerciantes havia que as importavam do continente mas, normalmente, “pilhadas” ou salgadas, e que praticamente serviam para “petiscos”.
As castanhas da Prainha eram cozidas ou assadas nas brasas do lar. Uma sobremesa deliciosa e muito apreciada, principalmente no tradicional “Dia de Todos os Santos”, ou seja no 1º de Novembro. E não havia família que as dispensasse, principalmente para aqueles que possuíam adegas...
Mais tarde “nasceu” o costume da criançada andar de porta em porta a pedir “Pão por Deus – Por Amor de Deus”. Ainda agora isso acontece. E as pessoas preparam-se antecipadamente com guloseimas ou alguns trocos – antes eram escudos, agora são euros, não sei por quantos anos...
Há hábitos e costumes que, de tão antigos, marcam as preferências sociais, as personalidades das pessoas e são tradições que se deviam conservar com o maior respeito. Dignificam as pessoas e mantêm as tradições simples, honestas mas que caracterizam as terras.
Não estou contra o hábito moderno, do “Pão por Deus”. Julgo que é uma maneira interessante e digna das crianças, de quaisquer “condições sociais”, - e não refiro as ricas porque aqui não as conheço... – andarem no dia l de Novembro, manhã cedo, a bater às portas dos vizinhos, trazendo uma pequena sacola feita propositadamente para esse fim, a pedir “Uma esmolinha, por Amor de Deus”. E creio que não há quem se recuse a contribuir com qualquer coisa, por mínima que seja, para as saquinhas dos visitantes, que, depois, repartem entre si, os bens recebidos. Até isso representa um gesto simpático de partilha, sem quaisquer atritos.
Que se conservem os bons hábitos e costumes, entre as próprias crianças, educando-as para que saibam, num amanhã próximo, compartilhar os bens com os semelhantes, quaisquer que sejam as suas condições sociais.
Algumas tradições seculares “ficaram pelo caminho”. Lembro só o dia de São Marcos, aliás uma grosseira tradição que, “forçadamente suspensa”, acabou muito a tempo.
Mas outras surgiram, como é o caso do Dia de São Martinho, que no Pico apareceu há cerca de cinquenta anos, com arraial próprio e já, ao que consta, com capela onde se venera uma imagem do Santo, que foi Bispo de Tours, França, no século VI e que a Igreja Católica comemora nesse dia (11 de Novembro). Mas, na realidade, vem de remotas eras o ditado que reza; “Por São Martinho vai à adega e prova o vinho”. E no dia 11 de Novembro, por esse Pico fora, ninguém falta ao cumprimento do velho adágio.
Não esqueçamos as castanhas, nem deixemos de dar “Pão por Deus”!
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