É uma tradição muito antiga que ainda é mantida por alguns nos tempos actuais.
Os pobres aproveitavam este dia para recolher um pouco nos seus alfobres e conseguir algumas provisões. E de tudo lhes davam: algum dinheiro, pouco, porque não existia em abundância, frutas da terra, milho em cambadas ou em grão, batatas, cebolas, peixe seco, etc. De tudo o que a terra e o mar davam.
O pagamento era um agradecimento singelo mas sentido: - Seja pelo amor de Deus e pelas almas dos vossos…
Os pobres, quando recolhiam à noite, iam radiantes pelas esmolas conseguidas e com as famílias, se as tinham, davam graças ao Senhor e imploravam as bençãos do Céu para os seus benfeitores.
Presentemente, quase desapareceram os pedintes mais idosos. Ficaram as crianças que tudo aceitam, sobretudo umas moedas e algumas guloseimas, que essas são bastante apreciadas. Mas mantêm a tradição, o que é importante.
E a propósito de esmolas, recordo-me que, a meados do século passado, o governador civil de um dos distritos insulares, pretendendo acabar com a pobreza e a pedincha nas ruas, pois tornava-se uma nota deselegante para os visitantes (turistas) que começavam a aparecer pelas Ilhas, criou uma Comissão de angariação de donativos para serem distribuídos pelos pobres. E para que os habituais pedintes não andassem de casa em casa, diariamente, a esmolar, resolveu criar um dístico que o contribuinte tinha o direito de afixar na porta da residência com estes ou semelhantes dizeres: "Esta casa contribui para a Comissão de Assistência". E porquê? Simplesmente para que os pobres e carecidos não fossem importunar os moradores com suas pedinchas…
Em outro burgo açoriano estabeleceu-se a norma de os estabelecimentos comerciais ou congéneres, só distribuírem esmolas ao sábado, até ao meio dia.
Estando, casualmente, num desses estabelecimentos, num sábado, entrou um pobre a pedir uma esmola. O empregado que o atendeu, respondeu-lhe: Não sabes que já passa da hora? Mesmo assim, entregou-lhe uma moeda de dez centavos… Retirara-a de um pequeno montículo, onde outras, de igual valor, ainda ficaram. E o pobre calcorreava as ruas da cidade durante uma manhã - não podia ultrapassar do meio dia – para juntar um escudo ou dois. Que nem dava para o pão da semana.
Fiquei intimamente magoado com aquela grosseira atitude. Felizmente que, na minha terra, tal não acontecia.
Hoje será diferente. Por aqui não aparecem mendigos e, no "Dia do Pão Por Deus" só as crianças, aos grupos, filhos de pobres ou remediadas, - porque ricos não os há - em ar festivo aparecem com seu saquitel, a percorrer as casas , a pedir "Pão por Deus, por amor de Deus" . E nunca vão de mãos vazias" pois há sempre qualquer coisa a dar-lhes, "pelas almas dos nossos".
Penso nestes costumes, dos poucos que ainda se vão mantendo, e penaliza-me que, com a evolução social a que se vai assistindo, num futuro muito o próximo, estas e outras boas tradições, passarão ao esquecimento. Nem todos compreenderão este meu pesar por haverem deixado de apreciar os costumes honestos que vieram dos nossos avoengos.
É doloroso que assim aconteça.
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