Em anterior texto lembrei que a Festa de Nossa Senhora de Lourdes e a “Semana dos Baleeiros” estavam já próximas. Na realidade faltam escassos quatro meses.
A Vila das Lajes necessita de uma lavagem. As moradias devem ser arranjadas, pintadas e/ou pinceladas. Os edifícios públicos devidamente restaurados. E, a propósito, há prédios abandonados, que devem ser demolidos, já que neles nada se faz ou, então, entaipados para que desapareçam aqueles “monumentos” da nossa vil tristeza. É tempo de se ir pensando onde vão decorrer os festejos externos, uma vez que a zona da Pesqueira ainda não estará desobstruída porque as obras da muralha de defesa deverão continuar ainda por alguns meses acrescentados.
A Matriz não pode continuar no estado de decrepitude em que se encontra. A subscrição tem ido lenta mas os Serviços Públicos podem e devem dar uma ajuda para que o seu exterior seja remoçado, o relógio e os sinos, que apenas contam trinta anos, postos em funcionamento e o mais que necessário seja para que aquele autêntico monumento, inaugurado há quarenta anos somente, não se apresente aos estranhos (porque os lajenses já se vão habituando…) com aquele aspecto de abandono.
Mas vamos adiante.
A Festa de Nossa Senhora de Lourdes teve início, como ficou dito, no ano de 1883. O rendimento da festa foi de 131.795 reis e a despesa de 213. 420 reis.
Nos primeiros cinco anos o rendimento total foi de l:181.158 reis e a despesa de 1:125.456 reis, do que resultou um saldo de 55.702 reis. Para a época não se pode dizer que fosse diminuta a receita, uma vez que poucos eram os rendimentos familiares e, consequentemente, as promessas de pouco valor. Mesmo assim, e a nota que tenho a meu lado não o refere, as armações baleeiras, que no tempo já eram seis, sempre contribuíram generosamente para as festas doando, normalmente, algumas “soldadas”, consoante a caça.
Além disso e durante muitos anos, as armações baleeiras tiveram à sua responsabilidade o fogo que, na ponta do Caneiro, se queimava à passagem da Procissão pela Pesqueira. Em alguns anos, a procissão parava, cerca de um quarto de hora, junto das Armações da Vila, o andor da Senhora voltava-se para o mar e os foguetes e morteiros eram lançados ao ar numa homenagem singela mas sentida à Virgem. O mesmo acontecia na passagem da Procissão pelas Armações da Ribeira do Meio. Afinal um espectáculo magnífico que atraía à cortina marítima milhares de forasteiros.
Aquando da comemoração do 1º Centenário nasceu quase a hoje já tradicional “Semana dos Baleeiros”. A actividade baleeira havia terminado poucos anos antes mas o espírito da baleação estava latente. E se já não havia baleeiros de profissão, havia-os do coração, da tradição e fiéis a uma actividade que, embora oficialmente extinta, estava latente no seu espírito e no seu coração. Os que restam e não só, todos os lajenses vivem intensamente aqueles dias e, quando a Veneranda Imagem se aproxima daquele lugar onde primitivamente foi invocada, os corações pulsam aceleradamente, os olhos marejam e uma prece se eleva até junto da Senhora “que nos tem salvado mil vezes” como diz a estrofe do magnífico cântico de louvor.
Hoje é diferente. Extinguiu-se a actividade baleeira, os armazéns de recolha têm outras aplicações e os antigos proprietários estão “desligados” das manifestações religiosas e do culto à Virgem de Lourdes…Mas, mesmo assim, a festa continua. É a festa dos lajenses e de uma boa parte dos picoenses que ainda aparecem a prestar o seu culto à Senhora que há 149 anos apareceu na Gruta de Massabielle a uma pastorinha, filha do Povo, Bernardete; e que há 125 foi publicamente invocada pelos lajenses, numa ocasião em que o mar parecia engolir a terra, enquanto as canoas, fora do porto, manobravam angustiosamente para passar as penedias que impediam a entrada. As preces públicas e clamorosas do povo alcançaram o milagre da Virgem e as embarcações entraram a salvo no porto das Lajes.
Decorridos tantos anos os lajenses continuam fiéis aos votos dos seus antepassados, A fé mantém-se viva. Nossa Senhora de Lourdes é sempre invocada como a celeste Padroeira dos lajenses e a Matriz da Vila das Lajes mantem-se como o Santuário bendito da Virgem. O povo simples e humilde desta terra não esquece Nossa Senhora de Lourdes. A Ela recorre, continuamente, em suas angústias e enfermidades e a Virgem sempre lhe vale com afecto maternal.
A história das Aparições da Virgem entrou no cancioneiro popular picoense. “…testemunho vincado da profundeza da devoção a Nossa Senhora de Lourdes nos Açores resulta na particularidade da sua integração no Cancioneiro Popular. Recolhemos algumas variantes descritivas das Aparições. Esta, autóctone das Lajes do Pico: “Desceste até a Lourdes, / ó Mãe de Deus verdadeira, /aparecer a Bernardina, / confidente mensageira, (…) E vinte, ó anjos do Céu,/ a louvar a Mãe de Deus,/ ensinar-nos a entoar /os altos louvores seus.” (1)
Uma vez mais preparemo-nos para celebrar condignamente a festa da Nossa Padroeira, no seu Santuário picoense.
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José Carlos, Nossa Senhora de Lourdes na Piedade Açoriana – Separata do Vol.XVII-1º semestre de 1961 – da Revista “Insulana”, órgão do I.C. de Ponta Delgada
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