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FLORESTAÇÃO DOS MISTÉRIOS DO PICO (1961)

 

Na época em que Vitorino Nemésio escreveu o “Corsário das Ilhas” (1947) onde se refere explicitamente ao início da plantação do pinheiro na ilha do Pico, e será porventura o primeiro escritor a referi-lo e cito: “(…) e medra algum recente e benéfico punhado de penisco“ (PINHEIRO); então terei de descrever, o que por mim recordo nas minhas memórias e por respeito ao gigantesco trabalho que foi realizado na minha ilha, por alguns, poucos, que arrostaram com a incompreensão e alguns dissabores, mas nunca desistindo dessa enorme e grandiosa empreitada de “plantar os tais peniscos (pinheiros) ” nos mistérios da nossa ilha.

Sim são áreas ou núcleos florestais, até já identificados nos sinais de informação turística, em fundo castanho, como “Pinhal”.

Miguel Arcanjo

Quando em 1958 terei realizado com meu pai a minha primeira viagem ao Faial, primeiro de camioneta da carreira – Lajes-Madalena – e depois de lancha (julgo que na “Velas”) Madalena–Horta, recordo sem qualquer dúvida que o manto branco da tal “urzela”, cobria quase por completo os mistérios Silveira-São João (Companhia de Baixo) e São João (Companhia de Cima) – Terra do Pão (São Caetano).

Diz-me o amigo Engenheiro Manuel José Simas (Zeca Simas), que aliás confirmou as minhas notas pessoais, que a Circunscrição Florestal da Horta foi criada em 1960 (dois anos depois) e que logo se iniciaram os trabalhos, embora de modo artesanal, da plantação dos primeiros pinheiros no mistério de São João, tendo como primeiro capataz um tal Sabina – oriundo da empresa do Sr. Simas (?) – e sendo o Eng. Zeca Simas o responsável técnico. Em 2011 poder-se-ia, ou melhor dever-se-ia comemorar o 50º aniversário deste gigantesco empreendimento que renovou a face da terra picoense. Valerá a pena? Aqui deixo o meu modestíssimo repto.

São João

Por outro lado, refere-me o Eng. Zeca Simas que no dia da árvore, um Professor da Silveira iniciara anos antes, no mistério da Silveira, a plantação de pinheiros, que nesse ano de 1961, já apresentavam um porte elevado… Mais uma nota relevante para o tema que abordo hoje.

Ora, interessante seria percorrer a legislação – Governo, Câmara Corporativa e Assembleia Nacional – que criou o Plano de Povoamento Florestal 1938/1968, primeira iniciativa de florestação intensiva do território em Portugal, cheia de contradições como a ocupação estatal dos baldios, nalgumas parcelas do território nacional nada pacíficas, como na ilha do Corvo, onde ainda hoje os ditos são património da comunidade corvina, florestação essa que, alguns anos mais tarde veio a abranger os distritos autónomos das ilhas adjacentes, criando, no caso em apreço, a já referida Circunscrição Florestal da Horta donde emanou, em 1972, a Administração Florestal do Pico, tendo como seu responsável directivo, durante cerca de três décadas, o Eng. Zeca Simas.

Só quem se lembra desses mistérios da Silveira, de São João, de Santa Luzia ou da Prainha do Norte, é que poderá aquilatar da grandeza do trabalho de florestação desenvolvido até hoje e dos trabalhos complementares de construção de vias de acesso – caminhos florestais – por uma reduzida equipa de engenharia, mas pejada de empíricos técnicos (self-made men), que também poderiam ser apelidados de “paus para toda a obra”, que sob uma liderança persistente, com muito empenho, determinação, às vezes com parcas verbas orçamentais, dizem-nos que também com algum amor à causa florestal, mas de certeza e sempre com enorme gosto pelo que produziam. Arrostaram com dificuldades, contornando-as porque, se o que era planeado falhava, era necessário corrigir e aprender com os erros cometidos: “como não se fazer mal outra vez”…

Hoje, falar-se da florestação dos mistérios do Pico, não se compadece com ausência de rigor opinativo e por isso mesmo, deixar a ideia de que “os mistérios encheram-se de vegetação, embora selvagem” ou falar de cedro para artesanato quando até é proibido cortá-lo como bem me lembrou técnico amigo, são opiniões respeitáveis, mas com as quais não concordo minimamente…

Parque Florestal da Prainha

Falemos sim do exemplo que o Pico representa no contexto nacional, sim nacional, porque soube arrostar com as incompreensões de alguns, para realizar um trabalho que hoje é o orgulho da grande maioria dos picoenses, não sei se apenas dos cidadãos atentos, mas para esses, muitos, ficará bem patente, que antes da badalada floresta endémica da ilha, tão em moda hoje em dia e que muito respeitamos, alguém apostou, plantou e preservou uma extensa área florestal que moldou dum “verde jovem”, a nova paisagem do litoral da nossa ilha… já não falando dos excelentes parques – reservas de recreio florestal – de São João (criado em 1989), Prainha do Norte (iniciado em 1992) e Santa Luzia (1989), sendo que os dois primeiros são muitas vezes referidos como dos melhores dos Açores. Visitem-nos e apreciem as suas sombras e silêncios nas cálidas tardes de estio, ou nas amenas tardes primaveris ou outonais.

“Na Região Autónoma dos Açores, a floresta ocupa uma área aproximada de 70 mil ha, o que corresponde a uma taxa de arborização média de 30%. As ilhas do Pico e São Miguel representam 53% da área florestal açoriana. O contributo da floresta no arquipélago, mesmo o da denominada floresta de produção, não é mensurável apenas pela sua componente produtiva e económica. O mérito da floresta está muito para além da valência de floresta de conservação e o potencial associado na protecção de solos e dos recursos hídricos, prevenção de riscos naturais e na conservação da biodiversidade. A região também se caracteriza pela quase inexistência de fogos florestais.” (in Região Autónoma dos Açores, Março 2009, Potencial Sectorial http://www.bes.pt.

Lembrem-se pois, dos que orientaram essa gigantesca transformação na paisagem das nossas áreas lávicas – os mistérios, porque o Eng. Zeca Simas é um dos que merece ser lembrado, até pela sua enorme modéstia técnicoprofissional.

 

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