Deixaram os Açores em busca de uma vida melhor, por vontade própria ou dos seus pais. Após muitos anos no estrangeiro a viver entre duas culturas, esmagados pelas saudades, decidem finalmente regressar para a sua terra.
Só que a sua terra já não os reconhece. Em lugar das boas-vindas calorosas tão sonhadas espera-os aquela desconfiança normalmente reservada aos estrangeiros. Só que eles não são estrangeiros mas emigrantes açorianos retornados, com os filhos luso-descendentes.
A realidade é cruel e dói. Eles têm que enfrentar burocracias complicadas que não fazem concessões nenhumas pelo facto deles não estarem habituados ao sistema. Do consultório médico até as finanças passando pelas utilidades básicas como a companhia de electricidade ou de telefone, precisam de decifrar o código e de aprenderem – muitas vezes sozinhos - como o sistema açoriano funciona.
Em lugar de uma mão estendida, dizem-lhes para voltar de onde vieram, alheios ao facto de eles serem também açorianos de gema. Aquela terra tão querida torna-se num ambiente hostil, mesquinho até. Se tiverem pegado o sotaque do país de acolhimento - Canadá, Estados Unidos ou Bermuda - são gozados sem mais nem menos. É-lhes negado o respeito - não são levados a sério e chamam-lhes "calafão".
Oiço com atenção o meu entrevistado contar-me as dificuldades dos emigrantes que retornaram a São Miguel e fico surpreendida ao descobrir que muitas são as mesmas que eu tive que enfrentar. Só que não sou açoriana, não tenho laços familiares cá e até recentemente a cultura local ainda era um mistério para mim.
Aceno com nó na garganta. Bem sei o que quer dizer pertencer a nenhures e de ser a forasteira, mas nunca esperei ouvir tamanha aberração. Forasteiros na sua própria terra? Será que a famosa hospitalidade açoriana é só para os turistas e os emigrantes que vêm de férias, com dinheiro para gastar?
E eles voltam a lidar com as saudades, mas desta vez são saudades de uma sociedade mais tolerante, com uma mente mais aberta e a tradição de conviver com culturas e línguas diferentes.
"A gente lá com meia língua fazia a vida toda. Aqui com a língua toda a gente não faz meia vida", comentou uma emigrante retornada.
E o meu coração afunda. (quazorean@gmail.com)
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