topo
linha2

Fotogaleria

 
» Home » Crónicas e Artigos » Ermelindo Ávila » São Mateus


Império de São Mateus


No passado mês, a freguesia de São Mateus celebrou a festa do seu Padroeiro. Aliás isso acontece todos os anos e em todas as paróquias da ilha como nas demais da Diocese, que anualmente festejam o seu Padroeiro.

São Mateus, porém, tem um significado especial pois integra, nessa festa, o único Império do Divino Espírito Santo que ali se realiza, com a distribuição de rosquilhas a todos os participantes na solenidade. E vale a pena ver o magnífico cortejo de açafates incorporado na procissão do Padroeiro na qual, também, se inclui uma Coroa do Espírito Santo. Foi assim no dia 21 de Setembro último, cumprindo a população um voto muito antigo no qual colabora a própria Paróquia e também a população da Paróquia de São Caetano, dado que o voto foi feito quando as duas comunidades constituíam uma só paróquia.

Fora da época do Pentecostes, apenas se realizam na Ilha do Pico os Impérios de São Mateus e o de São Pedro, primeiro Padroeiro da Ilha, cuja igreja, actualmente uma pequena ermida, ainda se conserva na vila das Lajes. E já conta mais de quinhentos anos! Mas hoje refiro-me especialmente ao Império de São Mateus.

Estava-se no ano de 1718. Uma violente crise sísmica, principiando em Santa Luzia, abalou toda a ilha, seguida de erupções vulcânicas. O fogo rebentou em terra e no mar. Um verdadeiro inferno, como diz o povo. Mas vejamos muito sumariamente o que nos dizem os historiadores coevos.

Sobre os bodos que se costumam realizar anualmente em louvor do Divino Espirito Santo, escreve o Padre Alberto Pereira Rey, em escrito de 1753 (Arquivo dos Açores, Vol. III, pág.286): "Pelos anos de 1718 na ilha do Pico, a 2 do mês de Outubro (deve ser Fevereiro) rebentou o fogo dos minerais, que tem nas entranhas da Terra , de tal sorte, que parecia se acabava o mundo, ficando o espaço de quatro léguas tanto a Norte, como para a parte do Sul cheia de pedras, como de escamas que parecem montes altos, fazendo pontes pelo mar fora, até onde chegava a fúria dos minerais (fogo), não padeceram lesão alguma naqueles lugares, onde o fogo tudo converteu em pedra, algumas casas de moradores que nelas tinham trigo e vinho dedicado e separado para gastarem no ano seguinte com os Pobres no dia do Bodo do Divino Espírito Santo…"

Silveira de Macedo – servindo-se do "Auto voto que fizeram os faialenses quando o fogo rebentou na freguesia de Santa Luzia da Ilha do Pico" e da "Memória do vulcão da freguesia de São João da ilha do Pico ( extraído do Livro do Tombo da Matriz da vila das Lajes, daquela ilha)" ( aonde pára ele?…), - diz que o fogo rebentou em Santa Luzia no dia 1 de Fevereiro de 1718 e, no dia 2, a sul na freguesia de São João.

Por seu lado o Doutor Gaspar Frutuoso, (1589) narra: "Como tenho dito, na era de mil quinhentos e sessenta e dois, a vinte e dois (?) de Setembro, dia de São Mateus, uma légua da Vila de São Roque, caminhando para a Prainha do Norte, em cima, no cume da serra, quase da banda do Sul, como espaço de três léguas da falda do Pico, ficando ele para a banda do leste, tremendo primeiro a terra em um terço de hora dezasseis vezes, com contínuos e horrendos abalos e tão grandes estrondos, como de grossas peças de artilharia, em um lameiro arrebentou fogo fazendo cinco bocas muito grandes, sendo uma a principal e maior, de que manou uma grande ribeira de polme, que correu para a banda do norte por espaço de uma légua e meia até cair da rocha abaixo e fazer um grande cais abaixo da rocha onde se espraiou aquele polme e se tornou pedra viva, em que se não pode pôr pé descalço, nem se cria nenhum género de erva, nem mato, até hoje, sendo em alguma parte onde se não acabou de cobrir daquele polme ( "Livro Sexto de Saudades da Terra", a pág. 303.

Foi então que o "povo de São Mateus, receando o perigo mais próximo pela abundância de cinzas que caíam sobre a freguesia, concorreram à igreja a implorar a clemência divina e conjuntamente com os povos de São João, renovaram suas preces e votos dos antepassados. É que o voto de São Mateus deve reportar-se ao ano de 1562, aquando dos fenómenos ocorridos no dia 21 de Setembro. Tão violentos foram os tremores de terra e tão longe caíram as cinzas e a lava que, diz ainda o historiador, o povo do Pico se refugiou nas Ilhas de São Jorge, do Faial e da Terceira.

Como se verifica na narração de Frutuoso, a lava deste vulcão, ocorrido no Pico do Cavaleiro (?), correndo para o mar, formou a planície onde veio a fundar-se o Cais do Pico.

As preces e os votos dos nossos antepassados, seriamente atormentados por tais cataclismos, foram tão fervorosos que ainda hoje se cumprem com grande devoção e entusiasmo, por vezes emocionante, sendo testemunho, de tais votos, os Impérios do Espírito Santo que se realizam em toda a Ilha, mas em moldes diferentes daqueles que se praticam nas demais ilhas dos Açores, pois esses Impérios são realizados com a distribuição de pães de massa sovada, rosquilhas ou bolos de véspera, conforme as zonas, a todos os que comparecem nos arraiais. E não são esquecidos até aqueles que, por doença ou qualquer motivo justo, não podem comparecer.

É o que se verifica na freguesia de São Mateus, como atrás referi, cujo Império tem lugar no dia da festa do Padroeiro, a 21 de Setembro, com a ida da Coroa em cortejo à Igreja, onde está durante a Missa solene e, depois, tem lugar a coroação do Mordomo.

Voltar para Crónicas e Artigos

bottom
Copyright - Adiaspora.com - 2007