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A logística do medo


Há quem jure que com boa vontade, tudo se faz. Sempre acreditei nisso até chegar aqui e testemunhar a minha boa vontade ser mal entendida, deturpada, mal interpretada. Durante algum tempo foi um caso clássico de "perdido na tradução" e depois tornou-se numa comédia de erros.

Em primeiro lugar, é óbvio que convém realizar uma auto-avaliação para perceber o que fiz de errado. De natureza calma e discreta, esforcei-me por aprender uma língua tão fascinante como desafiante sem atrair atenção ou dar nas vistas. Bem pelo contrário, tentei mesmo - em vão - misturar-me na paisagem, comunicando a quem quisesse ouvir o meu desejo de enquadrar-me nesta realidade açoriana. Seja como for, nunca resultou completamente, mesmo quando pintei o cabelo de castanho-escuro. Só acabei com o aspecto ainda mais pálido do que o costume.

Foi nesta altura que percebi que o que tinha para oferecer era aquela diferença que estava a tentar silenciar, este olhar vindo de fora. Habituada ao multiculturalismo das grandes cidades, já com experiência de emigração em vários países da UE, e com algum tempo também nos EUA, achei que a adaptação ia ser fácil uma vez que podia comunicar em português.

Ansiosa de respeitar a cultura e os hábitos locais, de não ofender ninguém que fosse ou pior ainda de dar a impressão que pudesse estar a tentar impor o uso da minha língua, transformei-me numa esponja gigante e absorvi todos os pedaços da vida açoriana que consegui encontrar. O resultado está aqui: uma estrangeira com sotaque indelével que escreve um português simples e um tanto cândido.

Este meu português sou eu, com verrugas e tudo, aliás sem edição. Em qualquer língua que seja, sou exactamente a mesma pessoa, uma estrangeira deslocada, ou em termos talvez mais familiares, uma emigrante ao contrário, enfrentando os mesmos dilemas que muitos açorianos lá fora nos países anglo-saxões.

Só que cheguei aos Açores sozinha, sem sistema de apoio. Cá não há nenhuma Comunidade - como é o caso com os açorianos em Toronto por exemplo - para nos fazer (a nós, estrangeiros) sentir em casa. Fazemos o nosso melhor para abraçar a diferença, a cultura e - para os que não vêm da CPLP - a língua, mas muitas vezes nem há curiosidade ou vontade alguma de ir ao encontro do outro. Em lugar disso, há rótulos, medo e desconfiança, mesmo quando chegarmos cá com o coração na mão.

Porém, ninguém é tão diferente que não se possa encontrar coisas em comum. Aliás, o "outro" - quer o açoriano lá fora, quer o estrangeiro nos Açores - só procura uma coisa: ser aceite. (quazorean@gmail.com)

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