O Natal está em casa. Mas como era diferente o Natal da minha distante juventude. Simples, Modesto, mas não deixava de nos trazer uma alegria sã e comunicativa. E a 13 de Dezembro era o dia em que normalmente principiava o Natal, com o preparar dos pratinhos ou taças e a colocação nelas do trigo a grelar, para estar crescido e viçoso quando se “armava” o altarinho do Menino Jesus. Começava também a retirar das gavetas ou arcas as toalhas e, dos oratórios, as imagens do Menino para preparar, na véspera do grande dia, o seu trono. Um pequeno altar. com dois ou três degraus, feitos de caixas de madeira ou cartão rijo, e coberto com lençol ou toalha branca.
Presépio e árvore de Natal
Na Matriz, já noite, iluminada com candeeiros de petróleo e, mais tarde com petromax, principiava no dia 16 –nove dias antes – a devoção da Novena preparatória para a grande Noite. Anos antes, mas ainda no princípio do século vinte, a novena tinha lugar antes de amanhecer, o que obrigava as pessoas a caminhar com os lampiões de velas a alumiar o caminho. Os homens iam preparados, com suas alfaias para dali seguirem para os trabalhos de campo. Bem poucos dispensavam a Novena do Menino Jesus, e a Missa que se celebrava.
A Capela lá estava também
para executar os cânticos e antífonas próprias da Liturgia daqueles dias. Depois passou a novena para a noite. Mesmo assim e embora não houvesse Missa – ainda não havia acontecido o Vaticano II – a Novena era celebrada com a maior solenidade: Veni Santo Spíritus, Oração Preparatória, Ladainha de Nossa Senhora, Tota Pulcra es Maria, e Cântico Final (Ó Infante
Suavíssimo...). Terminada a novena lá regressavam, novos e velhos, a suas casas para, no dia seguinte, voltarem. No último dia, a Novena era incorporada nas Matinas cantadas. Uma
partitura antiga, quase de música clássica, executada pela Capela e acompanhada a Órgão. A Igreja ficava completamente cheia de fieis que assistiam a todos os actos com o maior
respeito e devoção.
O Altarinho
(Na Noite de Natal, para evitar qualquer desacato provocado por algum
que teria fumos da ceia pantagruélica da noite anterior, - a noite da Calhandra – o Regedor levava em sua companhia dois ou três “cabos de polícia” que dispersava pelo templo. Velhas tradições
que cedo acabaram... Actualmente quem fica pelas ceias não vai às novenas...). A miudagem havia sido deitada ao anoitecer para se levantar a tempo de ir com os pais e mais familiares às Matinas e Missa da Meia Noite. Mas todos iam dispersos e alegres, na esperança de, ao regressar, a casa encontrarem, alguma prenda do Menino Jesus. E bem poucas que eram...
Pela Meia-Noite dava-se início à “Missa do Galo”, cantada pela Capela. Solene e emocionante o Cântico do Glória in excelsis Deo entoado pelo celebrante. As campainhas e os sinos tocavam festivamente, crianças, no coro e no coreto, espalhavam flores pelos assistentes e a capela dava, depois, início à execução de uma partitura de autor célebre. No final cumprimentava-se, na
sacristia, em primeiro lugar o Celebrante e depois as pessoas em redor. E voltava-se a casa com a alma cheia de alegria, e um bem estar confortante. Os mais novos corriam para descobrir aquilo que o Menino Jesus lhes havia trazido enquanto haviam decorrido as cerimónias na Igreja. E contentes e alegres ficavam quando descobriam qualquer coisa: uns rebuçados, figos passados, um brinquedo, feito artesanalmente pelos pais, durante os dias anteriores, mas sempre de maneira
reservada para que não fossem vistos ou descobertos...
Mas que lindo era o Natal daqueles tempos!...
Hoje é tão diferente!
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