topo
linha2

Fotogaleria

 

» Home » Crónicas e Artigos » Ermelindo Ávila » O Arrodeio


O Arrodeio

por Ermelindo Ávila
1 Setembro de 2006

Vila das Lajes            

Antes do estabelecimento dos Serviços Florestais na Ilha do Pico, já lá vai um par de anos, cerca de cinquenta, era agradável chegar ao primeiro de Setembro e subir até à Serra do Topo para assistir ao “Arrodeio” ou, melhor dito, ajuntamento do gado lanígero que, durante o ano, pastava nos Baldios.
Do Sul e do Norte, noite serrada, caminhavam para a Serra gentes das Terras, Lajes, da Ribeira do Meio, Almagreira e Silveira, e até de São João e de Santa Bárbara,  do lado Sul e da Prainha do Norte, e São Miguel Arcanjo, e Santo Amaro,  do lado Norte. Era um dia de festa. Todos levavam seus farnéis que repartiam, fraternalmente, entre amigos e conhecidos. Alguns levavam violas da terra ou guitarras, para as horas de folguedo.  
De princípio era o gado conduzido para currais improvisados e aí seleccionados pelos donos respectivos. Não era difícil a selecção pois havia sempre o cuidado de marcar os novos animais com sinais especiais nas orelhas. E nenhum era igual. 
Depois de junto o gado, estendiam-se aqui e ali as toalhas onde eram colocados os farnéis para a refeição à qual não faltava o garrafão com o vinho tinto do Pico e, naquelas alturas, era sobejamente apreciado.
Terminadas as refeições entre ditos chistosos de lado para lado e de olhares “interesseiros”, iniciavam os bailes e as “chamarritas”, onde as “cantigas” de despique iam surgindo consoante o entusiasmo dos bailadores e dos assistentes.  Entretanto, outros procediam à tosquia dos carneiros e ovelhas, cuja lã era cuidadosamente acautelada para ser trabalhada durante o Inverno.
O Sol iniciara já a sua “descida” para Ocidente e era tempo de se iniciarem os preparativos para o regresso. Entretanto, aqui e ali surgiam olhares apaixonados...
Não raro, aos domingos, os moços atravessavam a serra e desciam para Norte ou para Sul, para se encontrarem a reconditos com aquelas que haviam “escolhido” no “Arrodeio”. E, quantos casamentos não vieram a realizar-se!..
Com o estabelecimento dos Serviços Florestais os ranchos de cabras e ovelhas foram proibidos de pastar nos baldios. Uma medida que não deixou de ser contestada no início mas que o povo acabou por aceitar, dados os resultados benéficos dos tratamentos das pastagens e dos baldios que então se empreenderam, sem custos para os lavradores utentes.  Perdeu-se uma tradição simpática mas ganhou-se sobremaneira na fruição concertada das serras públicas e dos baldios comuns que não deixaram de ser aproveitados pelos lavradores mediante uma taxa de entrada e sem quaisquer outros encargos.
Mas não custa recordar os bons tempos dos “arrodeios” que eram motivo de amiga confraternização entre o Sul e o Norte, dois povos de origens comuns e que sempre se entenderam através dos tempos.
Hoje ninguém demandaria a serra a pé. As viaturas motorizadas vão até sem custo, aproveitando os caminhos que os ditos Serviços Florestais construiram. E se mais não abriram foi porque os proprietários dos terrenos onde seriam implantados, se recusaram, numa colaboração benéfica, a deixar “passar” as vias a construir pelas suas propriedades. Talvez hoje o seu procedimento seria diferente. Mas o mal ficou e tarde, ao que julgo, será reparado.

Voltar para Crónicas e Artigos

bottom
Copyright - Adiaspora.com - 2007