A história do relógio da Igreja Matriz (S. Sebastião) ainda vai dar para fazer algum livro -provavelmente sobre os piores relojoeiros do mundo. Caramba. Ainda há tão pouco tempo foi feito um restauro de peso – embora a verdade é que passadas algumas semanas o relógio já não funcionava de novo. Desta vez a avaria parece ter sido pior, mas é tristonho ver uma máquina daquelas a servir de ornamentação. Será que se lhe retirarem os ponteiros o problema desaparece?!?...
in,Diário dos Açores, nº 37332, de 16-3-2004
Evidentemente que não se trata da Matriz da Santíssima Trindade desta vila. Mas o mesmo podia dizer-se. Na verdade o Relógio que se encontra no seu frontispício e que não é muito antigo, anda há anos parado sem que alguém possa dar-lhe concerto.
Antes, era o saudoso artista Calvino Santos que “olhava” pelo relógio e procurava mante-lo em funcionamento. E todas as semanas Leonel Costa, que há pouco nos deixou, infelizmente, subia a escada de acesso para dar corda no relógio. Uma avaria “grossa”, porém, não mais permitiu que o simpático “amigo de todas as horas” continuasse a funcionar e ele lá está com os ponteiros imobilizados, mudo e silencioso, o que não deixa de causar pena aos lajenses e surpresa aos que por cá passam e o espreitam inutilmente.
Como dizia, o relógio não é antigo. Conheço por esses Açores outros seculares que continuam a funcionar regularmente, orientando as vidas dos cidadãos e despertando a apatia de quantos por lá andam.
Numa das paredes laterais da Matriz encontra-se um quadro onde pode ler-se:
- Relógio e sinos da Matriz – dedicados em 21-VIII-1977 – em memória de – Manuel V. Machado – 1902-1876 – e de seus Pais – Manuel Vicente Machado e Maria do Rosário Silva – oferecidos por sua Viuva Mary Eva Machado –( U.S.A.)
E, a propósito de sinos, recorda-se que há uma deliberação da Vereação da Câmara, de 16 de Abril de 1828 – precisamente há 176 anos, a cuja Vereação presidiu o Juiz de Fora, em que foi deliberado fazer tanger o sino de recolher nas nonas horas da noite pela pessoa que tivesse esse encargo, de inteligência com o Revº Vigário desta Vila na falta de sino competente nas casas do concelho o que tem feito executar mandando tanger às horas do costume o sino segundo da Matriz desta Vila, nomeando para esta obrigação ao carcereiro das cadeias da Vila, não só por morar nas mesmas cadeias mas por se achar perto da Igreja, cujo sino ele Presidente tem mandado correr, não só para avisar os cidadãos serem as horas de silêncio que se devem guardar como também para saberem das Reuniões que ele tem estabelecido e que por isso propunha que se notificasse o mesmo carcereiro para que todas as noites na hora por ele Presidente já nomeada assim o cumprisse.!
Ainda sobre sinos, o jornal AS LAGES, em seu numero de 15 de Abril de l915, dá a seguinte notícia: Pela Irmandade da Santa Casa da Misericórdia desta vila foram adquiridos dois sinos para a Matriz (que ao tempo funcionava na antiga igreja dos Franciscanos) da mesma vila, que chegaram na presente viagem do “Funchal”.
A 15 de Outubro daquele ano o mesmo jornal noticia ainda: Começaram já os trabalhos para a construção duma nova arcada na igreja de S, Francisco visto a existente não comportar os novos sinos oferecidos pela irmandade da Santa Casa da Misericórdia desta vila. E eles lá ficaram.
Os sinos e o relógio da Matriz contam somente vinte e seis anos. E, quando podiam celebrar as “Bodas de Prata”, já se encontravam inactivos.
O Relógio, embora colocado em ponto cimeiro, presta um serviço público, um óptimo serviço público aos paroquianos e não só Os lajenses já se haviam habituado a orientar suas vidas pelo bater das horas. E, igualmente, não deixava de prestar bons serviços aos que por aqui transitavam.
Impõe-se, portanto, que seja reparado e entre em funcionamento normal. Sabe-se que a Paróquia não dispõe dos meios indispensáveis à sua reparação e manutenção mas, atendendo ao serviço público que presta, esse encargo pode e deve ser suportado pela Autarquia Lajense, tal como acontece nas demais terras, por esse País fora. É, v.g., o caso do relógio da Matriz de Ponta Delgada, que está sob a responsabilidade do Município respectivo.
Maria Eva Machado e familiares
Demais, trata-se de um património que nada custou aos lajenses nem aos serviços públicos. Além disso, é uma memória de alguém que, embora ausente muitos anos desta sua terra natal, não a esqueceu e quis dota-la com um serviço útil, como seja o Relógio e os dois sinos, os únicos de que dispõe a Matriz – igreja mãe desta vila e da Ouvidoria. Importa, por isso, restaurá-lo e mante-lo nas devidas condições de funcionamento normal. Até porque será um estímulo para outras dádivas das quais está carecida a igreja Matriz, que parece ter entrado em estado decrépito Manuel Vicente Machado e sua Esposa quiseram beneficiar a sua e nossa terra. Ele não teve o prazer de assistir à dedicação da sua dádiva. A Viuva Mrs. Mary Eva Machado e uma Filha, cá estiveram na ocasião. Concerteza que o fizeram com muito. Naquela altura os sinos e o relógio representavam uma dádiva muito valiosa.
Fico por este alerta, certo de que ele representa o sentir dos lajenses. E porque à Autarquia compete velar pelos bens do Património Público, - este é um bem de inestimável valia e utilidade pública - naturalmente que não deixará de atender a esta situação que bem módica é para o orçamento municipal.
in, Figuras & Factos II vol, 2005
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