EM SOPA DE LETRAS!
Maria Cristina de Oliveira (texto)
Roberta Tenório (revisão de texto)
Felipe Covalski (fotografia)
Correspondentes de Adiaspora.com (Brasil)
Muitos são os falantes da nossa língua portuguesa espalhados pelo mundo e está no Brasil a maioria dos que fazem uso desse idioma sonoro e complicado. Idioma este tão rico, que existem palavras que não podem ser traduzidas, adquirindo sentido em outras culturas, e isso faz parecer que somente os que falam português e têm incorporado o sentido denotativo e metafórico das palavras, sabem o alcance e o verdadeiro significado das palavras “luar e saudade”...
Para falarmos da língua utilizada no Brasil contemporâneo, faz-se necessário uma viagem ao passado, a fim de compreendermos melhor todo o processo de modificação e adaptação que ela vem sofrendo, a começar pelo período do descobrimento e posterior colonização, no início dos anos 1.500, até nossa época.
Antes da chegada dos portugueses às terras tupiniquins, as diferentes línguas indígenas eram faladas em todo o território brasileiro e essas acabaram, por fim, misturando-se ao novo idioma trazido pelos descobridores, criando uma expressão lingüística diferenciada, produto da miscigenação cultural.
Do contato entre diferentes tribos indígenas; entre índios, portugueses e descendentes, nasceram as chamadas línguas gerais, que era línguas tupis faladas por grande parcela da população. As línguas gerais eram, assim, uma língua franca.
Com a chegada dos portugueses, também aportaram no Brasil outros idiomas vindos de distintas nações européias, também colonizadoras, como a holandesa. Somente após a saída delas do Brasil, foi que as diferentes línguas existentes no território brasileiro – como as indígenas, gerais e holandesa – deram lugar ao idioma oficial do Estado português, que passou a ser a língua empregada em documentos oficiais e praticada por aqueles que estavam ligados à administração da colônia, em território brasileiro.
A saída dos holandeses mudou o quadro de relações entre as línguas no Brasil, na medida em que o português deixou de ter a concorrência de uma outra língua de Estado (holandês). Esse período caracteriza-se por ser aquele em que Portugal, dando andamento mais específico ao processo de colonização, toma também medidas diretas e indiretas que levam ao declínio das línguas gerais. A população brasileira, que era predominantemente de índios e um número crescente de portugueses, passa a receber negros africanos que vieram ao Brasil como escravos, a partir do século XVI.
As línguas de imigração vieram depois. No entanto, há que se ressaltar que as línguas indígenas e africanas entram na relação como línguas de povos considerados primitivos, a serem civilizados (índios) ou escravizados (negros), e, por serem considerados povos menores, seus idiomas, bem como seus costumes, passaram a não ter mais lugar para a prática e em conseqüência deixou de haver espaço de aceitação para essas línguas.
O mesmo não ocorreu com os diversos idiomas trazidos pelos imigrantes, pois esses entraram no Brasil por uma ação de governo, que procurava cooperação para desenvolver o país. Eram línguas nacionais ou oficiais nos países de origem, legitimadas no conjunto global das relações de línguas, diferentemente das indígenas e africanas. As línguas dos imigrantes, povos considerados civilizados, faziam oposição às línguas indígenas e africanas, consideradas como de povos primitivos.
A partir de então, e no decorrer do tempo, em razão da mistura de gentes vindas de diferentes partes do mundo, fomos agregando ao nosso idioma português-brasileiro características e peculiaridades únicas, tornando o português falado no Brasil um idioma em constante evolução, renovado e adaptado ao tempo, aleatoriamente. O português com tempero brasileiro, é a língua de uso oficial em todo o território nacional, convivendo pacificamente com uma enormidade de outras línguas, tanto indígenas como de imigrantes, mas se mantendo sempre como a língua mãe, mesmo para descendentes de outros idiomas.
Embora o português do Brasil possua características regionais específicas, como a sonoridade atribuída a cada parte do território, por diferentes influências e particularidades, ela mantém-se uniforme e de total entendimento por todos os brasileiros, dividindo-se apenas entre as línguas formal, coloquial, pública, oficial, técnica, dentre outras, com musicalidades distintas para cada região, mas sempre sendo a nossa língua portuguesa, com características unicamente brasileiras, e isso em razão das condições distintas trazidas desde outros tempos.
Embora haja na língua escrita uma maior proximidade entre o português do Brasil com o de Portugal e de outras partes do mundo, devido ao emprego gramatical de normas que efetivam e regulamentam o nosso idioma, ainda assim há muitas diferenças, que se ampliam substancialmente na língua falada ou oral.
É na expressão verbalizada que características específicas, culturais, regionais e de diferentes outras influências se faz presente de modo mais rápido e intenso. A palavra deixa de ser apenas uma ferramenta isolada de comunicação e passa a agregar a musicalidade de cada som emitido, o gestual e expressões diversas, fundamentando, assim, a particularidade única e multilíngüe, marcante na nossa língua portuguesa abrasileirada.
A inserção de palavras e expressões de diferentes idiomas, no português falado no Brasil, é a prova concreta de miscigenação de povos, seus costumes e tradições, fazendo da língua falada hoje no país, a representante oficial da identidade, orgulho e integração nacionais de toda uma população regida por um mesmo idioma, formado e adaptado por seus praticantes.
“A palavra falada é um fenômeno natural;
a palavra escrita é um fenômeno cultural”
(Fernando Pessoa)
A curiosidade humana acabou gerando uma busca cada vez maior por conhecimento, num processo insaciável e de interesse constante pelo saber, nas mais distintas ordens. Hoje, essa necessidade parece ter se potencializado em função das informações que nos chegam em diferentes formatos, desde a comunicação virtual, até as eletrônica e impressa.
O Brasil é também um dos países que mais faz uso da comunicação virtual, através de ferramentas criadas especificamente para pesquisas ou conhecimentos gerais, facilitados por tecnologias de ponta na área da informática. No entanto, a fala continua a ser a forma mais fácil de comunicação interpessoal, sendo o modo de expressão mais usado para demonstrarmos nossas intenções, dúvidas e sentimentos.
Já a palavra na forma escrita, exige de quem dela faz uso, um apego maior a regras e normas. Mas não raros são os casos em que o talento se sobrepõe à técnica, sendo possível a constatação de um domínio ou de uma destreza intrigante no uso e combinação de signos, para a transformação de pensamentos em textos.
Não podemos negar, também, que a arte da escrita possui uma espécie de encantamento, no qual o mistério que envolve o desconhecido vai se desfazendo pouco a pouco e na medida em que o conteúdo do texto vai sendo desvendado por cada leitor. E em toda mídia, seja ela construída para o cinema, televisão, jornais, revistas ou outras, muitos são os caminhos percorridos para a produção e realização textual; muitas são as buscas para que cada texto receba a pontuação final.
O local escolhido para escrever e onde cada pessoa costuma dar forma concreta aos seus pensamentos, não necessariamente precisa lembrar algo como um “laboratório séptico” e nem precisa ser um ambiente fechado ou desprovido de encantos. Basta que cada criador siga seus sonhos sem perder de vista a sua realidade e, ainda que o produto da soma de letrinhas siga a linha editorial exigida por cada veículo, que as próprias características e identidade do autor permaneçam vivas.
As distâncias e diferenças culturais contribuem para o enriquecimento da língua falada e escrita de cada país, principalmente em um território continental como é o do Brasil. Mas, ao final, o que importa mesmo é manter vivo o registro de cada momento, cada região, cada nação. Escrever é documentar o pensamento, a palavra dita e a falada, e o ser humano, desde que inventou uma forma de perpetuar fisicamente a fala e os momentos, para que estes não se perdessem no tempo e no espaço, escreve em qualquer superfície que estiver ao seu alcance...
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