Fazem parte integrante da paisagem açoriana, superam humanos em termos de população no arquipélago e vão em breve chegar diretamente das ilhas ao seu prato num formato inovador inspirado pelos Galegos.
Nos Açores, o chefe de cozinha chama-se Mãe Natureza e a sua nova oferta presunto de vaca, uma nova aposta gastronómica que pretende dinamizar a economia da região.
Numa reportagem exclusiva do portal Adiaspora.com, a jornalista Kitty Bale investiga a ideia invulgar que pretende mudar a gastronomia e a economia açoriana dentro de um ano.
Primo do "beef jerky" norte-americano, da "bresaola" italiana, da "Buendnerfleisch" suíça e do "biltong" sul-africano, na Galiza, chama-se "cecina" e anda a ser produzida desde o século IV DC.
Introduzido em Espanha pelos invasores árabes, cuja religião proíbe o consumo de carne de porco, o presunto de vaca é um produto elaborado a partir de carcaças com mais de 7 anos, até se possível mesmo 9, 10 ou 11 anos. Feito da parte traseira do animal, o presunto de vaca não leva corantes nem conservantes e tem pouca gordura.
Serve-se em fatias finas, apenas com um fio de azeite por cima.
"O presunto de vaca é um produto que não tem praticamente colesterol nenhum", explica o Chefe Vicente Quiroga, embaixador gastronómico da cozinha galega em Portugal e que tem acumulado muitos prémios e distinções - como o prato de ouro da gastronomia espanhola - ao longo da sua carreira.
"É um petisco extraordinário de primeira qualidade".
Presunto de vaca da Galiza
Vaca ecológica
Para Chefe Vicente Quiroga, natural da Galiza radicado em Ponta Delgada na ilha São Miguel e proprietário do restaurante O Mariñeiro nas Portas do Mar, os Açores têm a matéria prima ideal para a elaboração de presunto de vaca porque a carne sabe à natureza.
"A vaca dos Açores é uma vaca ecológica porque só come erva verde nas pastagens. Esta erva não tem tratamento nenhum, não tem sulfatos, não tem herbicidas, é uma erva natural", salienta Chefe Vicente Quiroga.
Daí a ideia de produzir um presunto de vaca açoriano para consumo regional, nacional e internacional.
"Alguns empresários galegos já estão a vir buscar a origem do seu produto ao arquipélago, portanto faria sentido poder apresentar um produto acabado já com algum poder de concorrência com estes produtos resultantes da produção da Galiza", adianta Ângelo Duarte, presidente da Câmara de Comércio e Indústria da Horta (CCIH).
"A vaca hoje não é propriamente muito valorizada mas se a convertermos neste produto gourmet vamos ter a possibilidade de subir o preço do animal", diz Ângelo Duarte.
"Poder-se-ia fazer um acabamento para que ela atingisse o peso de carcaça acima de 300 quilos. A partir daí, já se trabalha bem a ideia do presunto de vaca. As partes sobrantes da vaca serão destinadas para outros fins. Há uma multiplicidade de produtos que poderão ser desenvolvidos, como carne para hamburgers por exemplo", realça ele.
"Pela gastronomia promovem-se grandes encontros"
Foi durante uma deslocação da CCIH à feira gastronómica de Xantar na Expourense, Galiza, em Fevereiro passado que o presunto de vaca despertou o interesse das papilas gustativas açorianas.
Na Galiza para promover uma degustação de produtos açorianos, CCIH directores Humberto Goulart e Evaristo Brum, directores da CCIH, encontraram dois industriais galegos que valorizam a carne açoriana.
Da conversa, percebeu-se que os Açores poderiam industrializar a carne de vaca deixando nas ilhas as mais valias económicas.
Perante a curiosidade criada pelo uso de um produto considerado de refugo no arquipélago, os empresários galegos viajaram para os Açores ainda no mesmo mês a convite da CCIH.
"Desenvolveu-se a ideia de visita às ilhas dos referidos empresários para se aperceberem - in loco e com empresários locais - da qualidade e quantidade da matéria prima, da localização da possível industria, e do processo de abate", explica Ângelo Duarte.
Foram organizadas uma reunião na Ilha do Faial no dia 21 de Fevereiro 2011 e outra na Ilha de São Miguel no dia seguinte com empresários e com o Gabinete de Projectos para perceber a elegibilidade do investimento.
"Se concluirmos que é para avançar, isto é um projecto que é para avançar de imediato", diz Ângelo Duarte que está hoje dia 3 de Abril 2011 na Galiza, acompanhado de uma comitiva composta de directores e técnicos da CCIH, investidores potenciais mais um arquitecto do Gabinete de Projectos para tomarem uma decisão quanto à viabilidade económica do projecto e definirem as necessidades do processo.
Grupo de trabalho luso-galego janta no Restaurante O Mariñeiro em Ponta Delgada - 22 Março 2011
Laços luso-galegos
Apesar de não serem regiões geograficamente vizinhas, os Açores e a Galiza têm muito em comum.
"A Galiza é quase uma ilha, está rodeada de água por todas as partes porque forma parte do noroeste da península ibérica, temos um clima muito similar aos Açores e além disso temos uma forma de vida muito parecida", explica o Chefe Vicente Quiroga.
No que diz respeito à comunicação entre galegos e açorianos, não é preciso tradutores nem mesmo domínio do castelhano.
"Galego é um derivado do português portanto é fácil de compreender para os portugueses, como o português é fácil de compreender para nós também", diz Chefe Vicente Quiroga.
E já há uns anos que a Galiza e a ilha do Faial alimentam uma ligação através das mostras gastronómicas luso-galaicas realizadas na cidade da Horta.
"As mostras gastronómicas já vão na sua terceira edição, este ano será a quarta edição. A mostra gastronómica tem-nos possibilitado e tem-nos trazido mais-valias do género de sempre que realizamos uma mostra desde o começo temos convidados especiais com potencialidades de investimento", adianta Ângelo Duarte.
No primeiro ano chegaram à Horta um empresário hoteleiro e um operador turístico da Galiza, no segundo seguiram outros operadores turísticos com perspectiva de gerar fluxos para as ilhas, e em 2010 voltou um hoteleiro para potenciar investimento na ilha.
"Para além de desenvolver os produtos, os sabores e as tradições dos Açores e da Galiza, a Mostra Gastronómica Luso-Galaica traz também pessoas com interesse em desenvolverem projectos nas ilhas ou pelo menos potenciarem o desenvolvimento de investimento cá", diz Ângelo Duarte .
Uma nova "Marca Açores"
O importante é valorizar a matéria prima e a fabricação de um presunto de vaca 100 por cento açoriano visa dinamizar a actividade empresarial da ilha do Faial e dos Açores em vários níveis.
"Poderíamos associar esta carne ao Parque Natural da ilha do Faial considerando que o Faial é uma das ilhas com menos recurso a agro-químicos e a fertilizantes, portanto cuja produção é muito natural. O objectivo é de criar uma nova marca Açores sempre associada àquilo que a Natureza oferece", realça Ângelo Duarte.
No que diz respeito a fabricação, a empresa será sedeada na Ilha do Faial. Trata-se de uma unidade de produção média com o potencial para empregos fixos e sazonais, embora seja cedo demais para poder acertar os números.
"Nunca virá a ser uma unidade de produção excessivamente grande", adianta Ângelo Duarte , porque nos Açores, quase sempre se trata de produção em pequena escala.
"O produto acabado traz uma mais-valia para a ilha, há o que fica na ilha, os vencimentos dos trabalhadores, as exportações, tudo o que está interligado a esta indústria", explica Ângelo Duarte.
A CCIH já consultou a Associação de Agricultores da Ilha do Faial na área da produção e ambas as partes acreditam que exista carcaças de qualidade suficiente na ilha para a fabricação do presunto de vaca.
Tendo também em conta a proximidade das ilhas do Grupo Central, existe sempre a facilidade de poder ir buscar animais à outras ilhas, sempre que haja uma vaca que reúna as condições à venda.
Aceitação e prazer acessível
A receita é apetecível, os ingredientes disponíveis, os investidores entusiásticos mas o produto é completamente desconhecido em Portugal.
Porém Chefe Vicente Quiroga, que considera o português um 'bom garfo', não encara isso como desafio real. Aliás, já há dois anos que anda a servir presunto de vaca galego no seu restaurante e o produto parece estar a ganhar popularidade.
"Os portugueses não conhecem o presunto de vaca porque não foram acostumados a fazer este tipo de produto. Porém, penso que é um produto que vai ter muito boa aceitação. Já levámos dois anos a experimentar aqui no nosso restaurante em distintas formas pondo este prato na mesa e toda a gente que experimentou gostou - consideram-no um produto de grande qualidade", salienta Chefe Vicente Quiroga.
Mesmo em tempo de crise, este produto gourmet terá um preço acessível.
"Este produto não vai custar muito, é um produto que é servido de entrada para uma refeição, a quantidade nunca é muita. Embora seja um produto gourmet tanto pelo seu paladar como pela sua qualidade, nunca será um produto caro", explica Ângelo Duarte.
Assim o produto tem boas oportunidades de chegar mais longe, quer no mercado nacional, quer no mercado internacional.
A CCIH já está a fazer uma prospecção de mercado.
"Em primeiro lugar, poderia ter muito boa aceitação para nós açorianos e no Continente. Também a própria Espanha será um potencial comprador. Depois contamos sempre com o mercado da saudade - estamos a referir-nos aos Estados Unidos e ao Canadá - onde este produto depois de ser trabalhado poderia também lá estar nas mesas açorianas, canadianas e americanas, lá fora", diz Ângelo Duarte.
Investidores a postos
A CCIH já tem dois investidores da Galiza, dois de São Miguel e três do Faial, com a possibilidade de serem quatro.
Nas Comunidades, um investidor dos Estados Unidos também mostrou interesse.
"Depois vamos perceber em termos de investimento se é necessário tantos empresários ou não. Há interesse, há curiosidade", salienta Ângelo Duarte.
O investimento será inteiramente privado mas terá a possibilidade de pedir apoios à União Europeia.
"Será um projecto candidatado aos apoios regionais europeus nesse sentido para que seja tudo mais fácil e mais fluente em termos de investimento também", explica Ângelo Duarte.
Ademais, o presunto de vaca é um produto que "traz alguma tranquilidade" - é fácil de transportar e pode estar algum tempo a caminho do seu destino.
"Após embalado, o produto vai ter uma duração de anos. A Galiza está a trabalhar com três ou mais anos e portanto é um produto que poderá sair da ilha por barco, não obriga a ser um produto para sair de avião".
Este fim-de-semana, uma comitiva da CCIH acompanhada de investidores açorianos e de um arquitecto do Gabinete de Projectos da Agência para a Promoção do Investimento dos Açores (APIA) esteve na Galiza para visitarem umas empresas que fabricam presunto de vaca.
Até agora, todos os interessados têm ficado muito motivados.
"Estamos todos convictos que vai resultar", diz Ângelo Duarte, enquanto Chefe Vicente Quiroga não tem sombra de dúvida.
"O presunto de vaca vai formar parte da mesa da cozinha portuguesa daqui a pouco".
Chefe Vicente Quiroga
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