DO CANADÁ AO BRASIL POR TERRA - DIAS 36/37 |
O DESERTO CHILENO NAO É PARA TEMER
- OUTROSSIM PARA ADMIRAR E RESPEITAR
Vasco Oswaldo Santos (Texto e fotos)
José Ilídio Ferreira (Fotos)
Adiaspora.com
António Perinú (Texto e Fotos)
Sol Português/Voice
Santiago, Chile, 11 de Novembro – Quem nos avisa, nosso amigo é! Contudo, todos os avisos que antes da partida ouvimos quanto ao “pesadelo” do deserto chileno, na realidade também a continuação do peruano, é uma das coisas mais lindas, deslumbrantes, esmagadoras e empolgantes que os nossos olhos bem vividos – um mais do que o outro, claro... – já puderam admirar. É certo que talvez quem nos preveniu nunca haja por aqui passado ou dê credibilidade a generalizações de quem tem outras experiências ou perspectivas. Não é menos verdade que estamos em plena primavera no hesmisfério sul e que, por certo, noutra estação do ano, as coisas fossem diferentes. Não se pense, contudo que atravessar esta maravilha da natureza é coisa fácil! As mudanças de altitude são constantes, na ordem de uma média de 3.000 metros sobre o nível do mar. O ar é mais fino (rarefeito), muito mais seco, e as constantes variações de altitude, subindo e descendo por estradas de excelente condição e qualidade – o Peru não entra nisto... O facto de o percurso ser sobre precipícios inenarráveis, ora com curvas e contra-curvas obrigando a uma atenção constante, ora com rectas de 20, 30, 40 e 50 quilómetros (com a excepção de uma de 110 quilómetros que o Zé anotou pelo odómetro do nosso carro) apenas interrompidos por lombas pouco acentuadas. E em cenários exactamente iguais às fotos que a NASA transmite, captadas pelos poucos robots que assentaram (amartaram?) em solo marciano – terra vermelha, semeada de pedregulhos que não se entende como ali foram parar -, para além do efeito psicológico que nos causa, ao fim de 3 dias consecutivos, interrompidos por distantíssimas povoações (e alguns abarracamentos abandonados). Isto deixou-nos, agora que a adrenalina deixou de fluír ao mesmo ritmo metabólico, num torpor que a lucidez da visão não consegue disassociar. É deslumbrante conduzir acima do nível das núvens, o que nos aconteceu por duas vezes...
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A perder de vista entre o deserto e o mar - Abismo a 1.000 metros
No deslumbre da paisagem, pensei no que diriam Ramalho Ortigão, Almeida Garrett ou José Saramago, escritores e viajantes de gabarito, se tivessem atravessado estas paragens. E sofri pela possibilidade de não transmitir aos nossos leitores a grandiosidade desta parte do mundo, geograficamente tão afastada da “propaganda” que merece. Espero que o que me falta em engenho e arte narrativa possa ser compensado pela outra vertente, a da fotografia, onde espero conseguir, muito melhor, descrever o que experimentámos neste que todos considerámos o ponto mais distinto – até ao momento – da nossa expedição.
De Como Uma Alteração Inesperada De Percurso
Se Torna No Clímax da Viagem (até ver...)
Este relato, corresponde às jornadas de 9 e 10 de Novembro. Pela sua continuidade e características, deve ser amalgamado, sem deixar de se indicarem as datas em que alguns dos episódios ocorreram. E também por não havermos tido acesso diário à Internet. Como aliás tivémos o cuidado de prevenir antecipadamente os nossos leitores.
De 9 para 10, entre montanhas completamente desnudadas e de coloração e pedregulhos diferentes, consoante a predominância dos recursos minerais que albergam – mormente cobre, fosfatos e nitratos naturais, ferro e algum níquel – descemos ao Pacífico por mor do traçado obrigatório da Pan-Americana, umas vezes com o nome de 5, outras revertendo pela orla marítima com o nome de 1, como acontece entre Iquique e Antofagasta – outro grande porto chileno para escoamento de minério – numa distância de 460 km. Optámos por conduzir ao longo da espectacular orla marítima do Pacífico, ou “mar chileno”. A 5 corre paralela e acolhe a fusão com a 1. Contudo, é de grande altitude, e não permite o contacto com o mar. Daí a nossa opção, mesmo sem deixar de ser deserto! Mais, deixou-nos retratar um recurso natural, de que já falámos mas só aqui foi possível registar fotograficamente: o guano – ou guanaco – o excremento das aves marinhas, branco como a neve, logo que seco, expelido por gaivotas, pelicanos, corvos marinhos e outras espécies mais raras ou migratórias. Uma componente no fabrico de adubos e fertilizantes que fez a riqueza das economias do Peru e do Chile, até à primeira metade do século passado. Estas aves escolhem apenas certos rochedos, recifes ou ilhotas, normalmente os mais elevados, para pouso, e, a partir daí, todas as outras se sucedem dando origem à quantidade de depósito justificável para a colheita.
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Imponência - Deserto a florir
Tínhamos sido previamente informados, estar a estrada do litoral encerrada ao tráfico de camiões e autocarros devido a obras num túnel a norte de Tocopilla (outra vila piscatória e de escoamento de cobre); mas que os automóveis ligeiros podiam passar. Quando lá chegámos, o carro não entrava mesmo no túnel. O que fazia era um desvio por um caminho aberto na montanha do próprio túnel. Ou seja, um caminho recente, de terra batida, sem quaisquer guardas ou vedações, subindo a pique até cerca de 1,000 m de altitude, dando uma volta e tornando a descer, para caravanas de 12 a 14 veículos. A guarda no topo comanda as operações à beira do abismo. Nao há espaço para duas viaturas se cruzarem. Quase que nem para uma. A gente foi juntinho à parede escavada, com este escriba – que adora alturas – fotografando cá para baixo, sem deixar de pensar que o mínimo dos aluímentos, ou um simples sismo, nos faria despenhar sem qualquer hipótese de sobrevivência...
Ao chegarmos cá abaixo, todos reconhecemos que pela vista e pelo risco, este passaria a constituír o clímax da expedição - até ao momento. E o próprio Zé confessou que as mãos se lhe transpiraram profusamente durante a odisseia! Mas valeu mesmo a pena. Oh se valeu!!!
Chegámos já tarde a Chañaral. Ficámos albergados num hotel muito acolhedor, de largos salões envidraçados e uma garagem interior fechada, não por um portão aferrolhado, mas... por 3!
Vasco e Luís com o Pacífico ao fundo - O sinal que o Zé e o Luís mais odeiam!
Ainda conseguimos jantar. Numa mesa ao lado, dois casais e mais dois cavalheiros chilenos, meteram conversa connosco. Coisa simples, de onde vínhamos, o que fazíamos, enfim as trocas de viajantes. Na manhã seguinte, dia 10, um deles, entrou fardado de camuflado, oficial que é do Exército Chileno. Trocámos as amabilidades de vizinhos e o senhor informou estar a dirigir um hospital militar local. Perguntei: - Oficial médico? Não – respondeu – sou administrador. E acrescentou: - Sou coronel e alguém tem de gerir, nao é?
Uma vez que era tão amável o Zé inquiriu, como eu, sobre o estado da estrada e a frequência das bombas de gasolina. Fotografámo-lo connosco. Agradecido, na troca de cartões, ficámos a saber tratar-se do jovem coronel Juan Carlos Vega Manríquez, Comandante do Regimento Logístico do I Exército “Bellavista”! E foi mais longe: nas costas do seu cartão escreveu o número de telemóvel pessoal com a indicação: - Se precisarem de alguma coisa ao longo da permanência no Chile, nao hesitem em telefonar-me de imediato! – oficial e cavalheiro, em toda a acepção da palavra.
Tirada de dentro do carro - por falta de espaço exterior! - Sem paraquedas....
Atingida Em Tempo Recorde
A Meta de Santiago - A Capital
De Chañaral a Caldera, a 5 segue ao longo da faixa costeira. Aí, vira para o interior, para Copiapó, um nome a fixar pelos amantes de vinho chileno, dada a extensão dos vinhedos recém plantados nos verdadeiros “crescentes férteis” que mais a sul começam surgir entre montanhas de mais de 2.000 metros cada. A partir de La Serena-Coquimbo, cidades-gémeas separadas pela lindérrima baía de Coquimbo – esta com farol no alto do morro e a primeira com um cruzeiro de arrojada arquitectura – começa a auto-estrada directa a Santiago, Viña Del Mar e Valparaíso. Chegámos antes das 21h00, em tempo recorde mas com tempo para pequenas paragens e até uma brincadeira em que cada um de nós se deixou fotografar num troço onde esta “401 chilena” supera a canadiana que tão bem conhecemos.
Vista parcial de Antofagasta, Chile - Ode ao guano
A primeira prioridade foi a de levar o Perinú a uma clínica privada, apesar de haver experimentado umas ligeiras melhoras. Felizmente, as radiografias ao tórax “apenas” revelaram as mazelas dos fumadores inveterados. Os brônquios estão ainda atacados e a inflamação da garganta o problema principal. O excelente e jovem Dr. Ricardo Alvarez, foi amabilíssimo, passou a receita e até deu ordens para que as “chapas” fossem entregues na altura, para que a viagem não atrazasse mais. Saímos da farmácia era 1 hora da manhã e trabalhámos nas fotos até às 5. Não faremos comentários sobre as vicissitudes dos computadores para que os leitores não digam que estamos a estender a bandeja. Mas foi “teso da bola”!
Idiossincracias da beira da estrada
Isto já vem do Peru. Ao longo das estradas, seja no deserto ou fora dele, pequenos monumentos, desde simples cruzes com flores até autênticos mini-jazigos com cobertas, fotos, velas e flores frescas ou artificiais, bem conservadas devido ao clima seco e não-pluvioso, são aos milhares. Alguns assinalam os locais dos acidentes fatais e perpetuam a memória das vítimas, servindo de aviso aos “aventureiros” da estrada. No Chile, quase todos são encimados pela bandeira nacional.
Pelo bom sucesso da expedição
Os santuários também proliferam. A fé do Zé e do Luís leva-os a acender um círio, aqui e ali. Antes da auto-estrada, numa enorme capela improvisada na montanha, na realidade uma imagem de N.S. de Lourdes, rebaptizada fora da gruta, por N.S. del Camiño, recebeu da expedição uma visita mais demorada, a que o escriba agnóstico não se furtou de fotografar e registar até o seu nome. Ali ficou lavrado, na efemeridade da caiadela na rocha, a Expedição de Adiaspora.com/Sol Português/Voice. A primeira, estamos em crer. Até porque inscrições não existem e mesmo os Carabineiros Chilenos, tal como a Alfândega do Peru, dizem sermos nós a abrir este precedente. E todos com palavras de apoio e boa viagem.
A majestade dos Andes
A cultura cansa.... - A Ilha de Páscoa é chilena....
As meninas da Venezuela (apurate, Niño!)
Acervo histórico (Santiago) - Símbolo chileno
Imponência ferruginosa
Distância percorrida: 1.000 km em 12h00 de condução |
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