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DO CANADÁ AO BRASIL POR TERRA - DIAS 39/44

NO FERIADÃO DA PROCLAMAÇÃO DA REPÚBLICA NO BRASIL
A EXPEDIÇÃO PAROU SIMBOLICAMENTE À PORTA DA PREFEITURA
DE SÃO JOSÉ DA TERRA FIRME – ERAM 19H20 DA TARDE!!!


Vasco Oswaldo Santos (Texto e fotos) 
José Ilídio Ferreira (Fotos) 
Adiaspora.com  
António Perinú (Texto e Fotos) 
Sol Português/Voice


Florianópolis, Santa Catarina, Brasil, 17 de Novembro – Com 8 dias apenas de atraso sobre a data prevista, recuperando dia e noite, não alterando um milímetro o itinerário inicial (com a excepção do Equador, já se vê...), com o sol ainda brilhando no céu azul de São José da Terra Firme, chegamos à porta da Prefeitura (Câmara Municipal) de São José da Terra Firme, Santa Catarina, Brasil. Sabíamos que ninguém estaria à nossa espera, em “feriadão” da Proclamação da República no Brasil. Sabíamos também que o dia seguinte seria de “ponte” para um fim-de-semana prolongado. O que não sabíamos, realmente, era se chegaríamos ou não, nem a que horas. A única testemunha foi o sargento da segurança que, amavelmente posou connosco. Conhecia Portugal, onde tentou estabelecer-se como imigrante. Não deu. Mas deu para posar com os quatro “aventureiros”. Simbolicamente, passa a ser parte desta “empreitada”. E até nos fotografou. Isto aconteceu na Quinta-feira, dia 15 de Novembro de 2007.

***

Amigos leitores, o prometido é devido: passamos a relatar o que se passou, de sábado, dia 10 de Novembro (37 da Expedição), Santiago, Chile a 17 de Novembro (44), Florianópolis, SC, Brasil.

Sábado, 10 de Novembro (37), Santiago do Chile – Aproveitando o dia livre, mandaram-se textos e fotos dos dias anteriores e recolheram-se os dados e fotos que agora completam o conjunto das que já foram enviadas e publicadas no último despacho.

O País

O Chile é uma República Democrática com três níveis de governação: Executivo, Legislativo e Judicial. A presidente da República é Michelle Bachelet, chefe de estado e do governo. O país encontra-se dividido em 12 regiões (estados), mais a Região Metropolitana, incluindo parte do território Antárctico. O território chileno abrange uma área de 756.626 Km². Se incluirmos o território antárctico, este número sobe para 2.000.626 km².

A língua oficial do país é o Espanhol e a moeda (que já se chamou Escudo, na década de 50) é o Peso Chileno. O país tem fronteiras, a Norte, com o Peru e a Bolívia e a Leste com a Argentina. De acordo com o Censo de 2002, conta com uma população de 15.116.435 habitantes, dos quais 6.061.185 vivem na capital. A religião predominante é a Católica e o índice de alfabetização, um dos mais elevados do Mundo, ronda os 94,6%. 

 

A Capital - Santiago

Sendo a quinta maior cidade da América do Sul, Santiago encontra-se situada a 543 metros acima do nível do mar, dividida em 32 concelhos, cada um deles dirigido pela sua própria câmara municipal.

Vista do Porto de Montevideu

Os principais bairros de Santiago são Brasil, Bellavista, Centro, Vitacura, Las Condes y La Dehesa, Nuñoa, El Golf e Providência.

Como um dos países mais a sul e remotos do mundo, o Chile forjou o seu próprio caminho. Soube observar e copiar boas ideias, mas é uma cidade de carácter próprio.

Um extenso vale verde, atravessado por um largo rio, rodeado por espectaculares montanhas nevadas, e de um céu de puro azul, foi este o cenário que se deparou aos olhos do aventureiro Pedro de Valdívia, o fundador, a 12 de Fevereiro de 1541, com o nome de Cidade de Santiago do Novo Extremo. No centro, onde se situa o Cerro Huélen, passaria a chamar-se Cerro Santa Lucía y el Rio Mapocho convertendo-se num elemento emblemático da cidade.

Praça da Independência, Montevideu

Na altura, o conquistador espanhol não pensava sequer na futura invenção do automóvel, nem das indústrias; e foi assim que uma das mais formosas características da capital - ao ficar rodeada de montanhas – é hoje a maior responsável pela sua poluição ambiental. Mas, após um bom dia de chuva, Santiago volta a brilhar em todo o seu esplendor, e torna-se fácil adivinhar a razão porque Pedro de Valdívia se apaixonou por este recanto perdido nos confins do mundo.
Os seus primeiros habitantes chegaram lá há milhares de anos, durante o Período Pleistoceno, a tempo de colherem os benefícios da profusão de frutos que o clima privilegiado da região permitia, e continua a permitir nos dias de hoje. A região conta com as quatro estações do ano perfeitamente delineadas, mas sem temperaturas extremas – um verão moderadamente quente e fresco; um inverno de frios também moderados, com chuvas ocasionais; uma Primavera florida e um Outono que pinta o céu em cores terrenas e inunda as ruas de folhas multicoloridas.

Por volta do século XV, Santiago ficou sob a influência do grande Império Inca e começou a forjar a herança arquitectónica, conquanto fosse durante o período colonial que as grandes obras foram efectuadas: os desaparecidos diques (tajamares) do Rio Mapocho, a Igreja de São Francisco e a Casa Vermelha (Colorada), hoje convertida em museu. Posteriormente, em finais do século XIX, primórdios do XX, Benjamin Vicuña Mackenna deu rédeas livres à sua imaginação, aplicando um profundo gosto pela arquitectura europeia do seu tempo, contemplando Santiago com um estilo Francês que ainda hoje causa exclamações de admiração e espanto incontido.

Espaço urbano que alberga cerca de um terço da população total do Chile, a Área da Grande Santiago é o centro comercial, administrativo, cultural e político do país. É também sede dos ramos Executivo e Judicial (até 1990 também do Legislativo). Epicentro empresarial, com uma das mais respeitadas bolsas de valores da região, é ainda palco de importantes eventos de natureza cultural. É ali que se situam os principais museus da nação e acontecem os mais respeitados programas culturais.

Montevideu moderniza-se

 

A sua posição estratégica também se deve à geografia do terreno, Eqüidistante dos extremos Norte e sul, a uma hora de viagem do mar e outra das montanhas, Santiago constituiu a Estação Central ideal para qualquer pessoa que queira visitar o Chile.

Descobrir Santiago é uma tarefa que requere vários dias, coisa que os atrasos da nossa Expedição impediram. Os nossos frugais e rápidos passeios limitaram-nos ao que se chamam os “highlights” da urbe. Extensivos, mas dotados de características bem próprias, os seus bairros, bem definidos, exigem visitas que combinem os transportes públicos com longos passeios a pé. O sistema de “metro”, inaugurado em meados da década de 70, do século passado, ainda hoje constitui um dos mais eficientes e higiénicos meios de locomoção de todo o sul da América.

Em suma, Santiago é uma cidade moderna, mas com sangue provinciano a correr-lhe pelas veias. Envergonhada de início, vai-se revelando, lentamente, cada vez mais ousada. Sendo uma prima-dona da noite é de madrugada que revela os seus melhores segredos. É tão ordenada como caótica. Quando se atravessa parece, por momentos, uma das mais organizadas capitais europeias... para logo fazer com que pensamos haver voltado, repentinamente, ao caos do tráfego dos tempos coloniais. Mas talvez seja isso que a torna mais humana e virada para o século XXI.

Embaixada do Canadá em Montevideu, Uruguai

À noite, ainda fomos capazes de rir com dois episódios que se passaram na ida do Perinú à casa de saúde particular de Santa Maria. O primeiro foi a promessa do médico a este escriba que o acompanhou, de ir “receitar os medicamentos de grande qualidade” e que quase me levou a perguntar quais seriam – e para quem - os de “menor qualidade”... O outro, foi mais subjectivo: é que a animosidade da única enfermeira antipática nos corredores das urgências nos levou a perceber que deveria ser homofóbica e nos considerou um casal “gay”! Adelante...

Velhos Amigos

Domingo, 11 de Novembro (38) – Com os ditos medicamentos de gabarito a funcionarem plenamente, e depois de uma manhã de preguiça retemperadora, os “aventureiros” voltaram a fazer uma surtida a pé, pelo centro de Santiago. Nestas paragens, está tudo fechado, ainda à boa maneira dos tempos de menor pendão comercialista, em que se respeitava o “Dia do Senhor”.  Aberto apenas o chamado mercado do artesanato, um dédalo de ruelas a lembrar um “soukh” marroquino do antigamente, com artigos de fancaria - de péssima qualidade – para enganar turistas incautos. Uma das maiores riquezas da joalharia chilena consiste em trabalhos de prata e lápiz-lázuli, uma pedra linda e profusa no país. Pois bem: estavam quase todas riscadas, por polir, um autêntico refugo que nos levou a considerar – salvo seja – de Feira da Ladra de Santiago. Nem um simples “pin” com a bandeira chilena se encontrava à venda...
Comoveu o escriba a passagem pelo Palácio de La Moneda, onde Salvador Allende morreu no seu posto, presidente em exercício, a defender a democracia da mortífera ditadura de Augusto Pinochet, cujas consequências mais nefastas ainda causam calafrios na memória nos resistentes e na intelectualidade chilena. Já para não falar naqueles que solidariamente, noutros países, a seguiram com angústia. O nosso Canadá foi dos países que mais chilenos acolheu na altura. Os que ficaram honram bem a herança cultural que transportaram para o seu novo país de acolhimento. Este escriba tem orgulho em recordar, ainda hoje, o facto de ter sido “saneado” do então Rádio Clube Português de Toronto, no programa dominical “A Semana Em Revista”, em cujo microfone homenageou o cantor Vítor Jara, assassinado no estádio da cidade de Santiago por cantar a liberdade. Hoje, Allende tem estátua à porta do Palácio onde tombou, as canções de Jara ainda causam frémitos pela sua singeleza poética e o ditador viveu os seus últimos tempos acossado e vilipendiado embora tivesse escapado à justiça dos tribunais.

Berço de Santiago

Fotografando e caminhando, acabamos onde a cidade foi realmente fundada, no maravilhoso Cerro Santa Lucía. O escriba, num dia de algumas dificuldades em subir, optou por ficar na entrada, fotografando um pouco e recolhendo dados para a reportagem. Os seus três companheiros, mais jovens e folgados, subiram as escadarias até ao topo, de máquinas fotográficas em punho.

Localizado na Avenida Libertador General Bernardo O’Higgins, entre as avenidas Santa Lucía e Victoria Subercaseaux, é monumento nacional desde 16 de Dezembro de 1983. Com uma superfície de 65.300 m², e com a altura de 69 metros, a 629 do nível do mar, a colina começou por se chamar Huélen pelos nativos do Vale do Mapocho. Ao ser descoberto, a 13 de Dezembro de 1546, como já se disse, pelo espanhol Pedro de Valdívia, foi “baptizado” com o nome da santa no momento da posse. Aí se construíram as primeiras ermidas a N. S. do Socorro (Patrona das Armas), em 1543, a de Santa Lucía (Base do Convento das Mercês) e, posteriormente, a de S. Saturnino (protector dos abalos sísmicos e ao qual se organizavam algumas procissões).

Por volta do ano de 1548, o capitão Rodrigo de Araya construiu o primeiro moinho localizado na ladeira sudoeste. Também Bartolomé Blumenthal (que mudou o seu nome para Flores) edificou, em 1553, outro moinho, conhecido como o de Flores.

Durante o período conhecido como o da Reconquista (1814-1817) Don Casimiro Marcó Del Pont converteu o local em baluarte da defesa realista, construindo duas baterias de artilharia, a Marcó (mais tarde Castillo González – Plaza Caupolicán) e a de Santa Lucía (fortaleza de Hidalgo) que contribuíram para considerar o Cerro como inexpugnável.

Entre os anos de 1540 e 1862 ali funcionou o primeiro observatório astronómico, no cume, logo transferido para a Quinta Normal, sob a direcção do astrónomo Don Ignácio Domeyko.

Mas sem dúvida que foi Don Benjamin Vicuña MacKenna quem, ao assumir a Intendência de Santiago (a 20 de Abril de 1872), sob a presidência de Don Federico Errázuriz Zañartu, propôs a grande tarefa da transformação da capital. O morro (cerro), que até esses dias se apresentava como um penhasco agreste converteu-se, com grandes labores, num passeio atraente que, sem dúvida, contribuiu para o embelezamento urbano e atraiu vizinhanças à sua falda. Desde 4 de Junho de 1872, data em que se instalou a primeira parte, até 10 de Setembro de 1874, quando foi entregue a obra ao município, Don Benjamin e seus colaboradores não se pouparam a esforços e entusiasmo para cumprir o que foi proposto.

O primeiro contingente de 60 trabalhadores foi constituído por condenados do presídio “que se instalaram comodamente no Castillo Hidalgo”, com cerca de 18.000 carregos de terra vegetal, palmeiras de Ocoa e Cocalán, assim como cactos, sendillones, grandes quantidades de flores silvestres. Da sua fazenda de Pullally (perto de Ligua), Don Benjamin recolheu uma colecção de sementes de secano. Também foram trazidos da Europa jarrões, estátuas, lampiões, etc. que ajudaram à ornamentação e embelezamento.

Num só lugar os visitantes podiam encontrar o Brazão de Armas espanhol, em pedra lavrada, do Cerro San Cristóbal, trabalhado pelo presbítero Ignácio Andía y Varela, para o Palácio de la Moneda, em 1805, a varanda dos presidentes coloniais, um banco em que Don Diego Portales utilizava para se sentar na Alameda, um sino mítico, incinerado no incêndio da Igreja da Companhia de Jesus, como ainda balouços, um telescópio, um telescópio e um belíssimo carrossel.

Entre 1897 e 1903 o arquitecto Victor Villenueve construiu uma entrada monumental na Alameda, que logo foi expropriada pelas construções que se encontravam no sector.

Até princípios do século XX funcionou um caminho de ferro electrificado. Mas sem dúvida que o Teatro de Variedades foi uma grande atracção. Com capacidade para 1.500 pessoas, lamentavelmente, ambas essas obras foram encerradas em 1910 devido a problemas com o financiamento.

De penhasco agreste a formoso passeio é testemunho há mais de 457 anos da história urbana de Santiago. Muitos dos elementos decorativos originais se perderam ou foram alterados. Talvez até que, com o crescimento da vegetação, hajam ficado ocultos ante os olhos dos que o admiram diariamente.

Para aqueles que um dia possam vir a visitar Santiago do Chile, recomendamos vivamente que passem uma tarde ou uma manhã neste encantador local. Tragam sapatos confortáveis, uma máquina fotográfica, e anotem desde já os pontos essenciais a visitar: Terraço Neptuno, Terraço Caupolicán e Castillo Hidalgo, Ermida, Jardim Circular, Mirador, Terraço Pedro Valdívia, Mural em azulejo, homenageando Gabriela Mistral, Carta a Don Pedro de Valdívia e o Canhão das 12 horas.

A caminho do hotel, passando pelo centro, decidimos comer algo. O escriba lobrigou no menu um pratos que conheceu na Venezuela e muito aprecia: carne mechada. Com excepção do pobre do Perinú - a tomar o tal antibiótico de “muita qualidade”... – fizemos honras à cerveja “Escudo”. Estávamos a comentar os resultados da Super Liga Portuga quando duas coisas nos chamaram a atenção: a patroa do local, sempre que recebia uma nota para pagamento das contas, examinava-a cuidadosamente... com uma lupa! Por outro lado, havia em cima do balcão um tabuleiro de madeira com pregos virados para cima. Tratava-se da “planta” do restaurante. Cada uma deles significava uma mesa numerada. À medida que as coisas iam sendo pedidas, espetava-se lá um papelinho. Na hora de pagar, era só arrancá-los, somar e receber. Coisa primitiva, simples, mas mais eficiente que um computador. É que os pregos nunca dependem das “manias” dos provedores da Internet...

 

Segunda-feira, 12 de Novembro (39) – Um dos mais belos e importantes dias da nossa Expedição, segundo o consenso geral dos quatro. Saímos pelas 08h15 para um percurso razoavelmente curto, com cerca de 150 km, em direcção à cadeia dos Andes, mais propriamente para o posto fronteiriço de Portillo, a 2.100 metros de altitude, passando pelo Vale Paraíso, ainda na província de Santiago. A subida, extremamente penosa para os camiões, tem cerca de 30 curvas, todas em ângulo agudo, e passa por troços onde os desabamentos de terras, pedregulhos são freqüentes, e que no Inverno se transformam em avalanches de neve e gelo. Pela primeira vez, na nossa experiência, encontramos estruturas de cimento armado, nos locais mais perigosos, que protegem quem viaja nos dois sentidos. São gigantescos tejadilhos, alguns cobertos de calhaus e terras, em zonas conhecidas pela frequência de todos os tipos de desmoronamentos. Notávamos as neves nos cumes e a descida progressiva de temperatura à medida que avançávamos ao longo do Rio Colorado, que se despenha das alturas, cavando um vale profundo em ziguezague. Do outro lado, mais um caminho de ferro de via reduzida, indicador de transporte minério. Viríamos depois a constatar ser internacional, na medida em que passa do Chile pela Argentina no topo do Passo de Portillo.

Voltando às estradas em ziguezague, contamos 50 camiões, enormes, muitos de reboque duplos e muito mais compridos que as leis norte-americanas permitem, parados à berma da estrada – bem larga, felizmente – conducente ao posto fronteiriço, aguardando a sua vez na inspecção. Passado o túnel do Cristo Redentor, debaixo do Aconcágua, a maior elevação da América do Sul - também é vulcão... – com a elevação de 6.960 metros acima do nível do mar. O posto fronteiriço comum, onde trabalham lado a lado os inspectores aduaneiros e oficiais de emigração/imigração dos dois países, fica “apenas” a 3.185 metros. Não havia de fazer frio!!! Mas lá dentro não se nota: trata-se de um imenso e cavernoso hangar, aquecido, protegendo gentes e veículos.

Porque um seguro extra de automóveis é obrigatório para entrada na Argentina, existem várias cabanas, tipo esqui, que os vendem assim como artesanato e café. Tivemos a sorte de dar com um, gerido por uma simpática senhora, que nos ofereceu café e até nos cambiou dinheiro sem nos enganar! Foi um poupar de tempo imenso, dada a dificuldade em encontrar máquinas ATM que aceitem os nossos cartões de débito. E até porque a maioria dos bancos deixou de ter balcões de câmbio, remetendo as pessoas para agências independentes que nos levam couro e cabelo nas trocas de moeda...

Lá ficámos a saber que a fronteira, especialmente do lado Argentino, é também estância de esqui e outros desportos de inverno. Como estamos quase no Verão, é estação baixa. As cadeirinhas-teleférico estão imobilizadas e os hotéis e chalets fechados. Por curiosidade aqui deixamos as temperaturas médias na área: Verão: máxima de 20. De Inverno, mínima a rondar os -31 graus. No momento da nossa passagem estavam sete graus negativos.

Passadas as formalidades – que organização e eficiência quando comparadas com o caos da América Central – a descida é outra surpresa paisagística. Os Andes, desprovidos de neve, mostram uma nudez colorida, matizada de verdes a vermelhos vivos, com formações geológicas dantescas e de uma beleza extraordinária, as formações estratificadas de minerais diferentes a descoberto pelas encostas. Quantas vezes o escriba se lembrou do querido Professor Galopim de Carvalho. Ah, se o Marcos estivesse connosco, esta pobre descrição seria um tratado de doutoramento! Cada volta da estrada era motivo para exclamações de espanto perante uma faceta, para nós, desconhecida da natureza. Um caleidoscópio petrificado, um sentimento esmagador da nossa pequenez e do facto de não sermos muito mais importantes que qualquer daqueles grãozinhos anónimos que formam as grandes montanhas.

Outra experiência interessante foi a do rapidíssimo câmbio de temperaturas. É a que aprendemos que o tempo de subida nos confunde com o de descida de várias maneiras: primeiro pelas zoadas de ouvidos, depois um pouco de desorientação sobre a altitude física, muito diferente da experimentada nos aviões. O Zé ficou afectado por dores de cabeça. Nós pelo facto dos ouvidos se taparem completamente a cada curva da subida ou descida. Parte dessa desorientação traduz-se por nos parecer estar muito perto dos vales. É a tal discrepância entre a subida e a descida. Não há dúvida que o ditado está certo: para baixo, todos os santos ajudam. Et de quelle façon!

O primeiro sentimento físico para além dos causados pela altitude, foi o de calor. Dos tais -7 lá de cima, em menos de meia-hora passava dos 20 positivos. Atravessávamos os primeiros vales cobertos de vinhedos, estava perto a nossa primeira cidade em território argentino: Mendoza. É um importante centro vinícola, cidade de serviços, muito calma, de ruas frondosamente arborizadas, com casas bem tratadas, limpa, e com aquele aspecto de cidade-jardim antes do verde viçoso da folhagem nova se corromper e escurecer pelo escape dos veículos.

Após uma refeição ligeira, a mudança radical de paisagem: entrou-se na pampa (planície) imensa da Argentina, cultivada e a perder de vista, com a saída de Mendonza a caracterizar-se por uma profusão de camiões carregados de alhos. O que foi uma revelação para o escriba, citadino de nascença, incapaz de diferenciar a maioria dos campos de cultura. Mas eram batatais, arrozais, vinhedos – especialmente -, tal como no Chile, em franca ascensão nos mercados internacionais, em qualidade e quantidade. No capítulo das árvores de fruto predominam os de polpa rija, especialmente pêssegos, damascos, mandarinas (pêssego-careca). Mas foram os olivais que nos ressaltaram à vista e o facto de o Peru, o Chile e a Argentina estarem a produzir azeitonas de altíssima qualidade, grande tamanho, sabor refinado e... azeite em quantidade.

Contudo, tal como nos três anteriores países, as estradas são excelentes, de muito bom piso, seguras, pouco movimentadas fora das entradas e saídas das povoações, a permitirem uma deslocação rápida, segura e confortável de tão grandes distâncias. Aí, o pé ‘pesadote’ do Zé operou milagres de recuperação de tempo, o que já não acontecia desde os desertos do Peru e do Chile.  Da Pampa do Diamante à de La Varita, foi ‘sempre a aviar’, só com curtas paragens para o reabastecimento do carro e dos nossos estômagos. Foi uma revelação a travessia da Província de São Luís, muito festejada pelo nosso companheiro Arruda de Sousa, a partilhar com o santo o mesmo nome. E por quê? Porque nesta província as auto-estradas da pampa são de quatro pistas e iluminadas de noite! Ora vejam lá o luxo. Só que não pudemos apreciar a vantagem, dado que a galgamos sempre com a luz do sol. Os terrenos alagados ou de pasto – o rebanho argentino é dos maiores e mais importantes do mundo – sucediam-se vertiginosamente até ao anoitecer. A nossa média era elevada e a tentação de atingir Buenos Aires, ainda esta noite foi seriamente considerada. Só que não se justificava em face do que se estava a recuperar e é preciso ter em consideração o factor de segurança. Não era preciso exagerar. Daí que ficássemos em Junín, uma cidade importante, a pouco mais de 250 km. Da capital Argentina. Tanto mais que o céu se apresentava, todo à volta, no horizonte, rasgado durante horas por relâmpagos constantes, a despeito de uma clarabóia pejada das constelações para nós estranhas do hemisfério sul. Da grandiosidade das montanhas, passámos, quase que de supetão, aos grandes espaços da planície. Isso é obra!

Logo que encontramos hotel, a chuva e a trovoada desabaram impiedosamente sobre as nossas cabeças. Foi uma decisão acertada a permanência em Junín, já na província de Buenos Aires. Passava da meia-noite.

Caminho percorrido, desde Santiago do Chile: 1.268 km em 16h30 de condução.

Terça-feira 13 de Novembro (40) – Buenos Aires, Argentina – A saída de Junín, debaixo de chuva por vezes torrencial, em contraste total sobre o dia de ontem, deu-se pelas 09h20 da manhã. Quase 3 horas depois – o fluxo de tráfego, aliado à chuva era tremendo – entrávamos nas cinturas periféricas da capital argentina. Ao sairmos de uma cabina de pagamento de portagem, com a saída para a Avenida 25 de Mayo e 9 de Junio à vista, fomos mandados parar por dois polícias mal-encarados. Alegaram que o porta-bagagem exterior, que acartamos desde Toronto, impedia ver a matrícula do carro. Explicamos que era a primeira vez que, em todas as paragens de polícias e carabineiros ao longo do percurso (e foram tantas...) esse problema nunca havia sido levantado. Examinados os nossos papéis, deixaram-nos seguir, tanto mais que o estorvo que a nossa paragem naquele sítio constituía, era complicado para quem não era criminoso ou foragido. Mas a verdadeira razão é outra que, ao longo de toda a viagem nos apercebemos: Quando nos indentificamos como jornalistas, as coisas mudam de figura... para melhor. Ou talvez por sermos canadianos. A despeito de tudo, a menção da palavra Canadá, é quase que um “Abre-te Sésamo!”. Disso voltarei a escrever longamente, e noutro contexto. Porque é preciso que se saiba dentro das nossas fronteiras.

Temporal em Punta del Este, Uruguai

Libertos dos zelosos agentes, não nos foi possível sair onde devíamos. Mais adiante, quando foi possível, fomos dar à zona portuária. Durante mais de uma hora, seguimos direcções erradas e outras certas que, por azar nosso, estavam fechadas, eram de sentido único ou estavam em obras. Desesperados, fizemos mais 43 tentativas e eis que, voltando à auto-estrada, demos com a almejada 9 de Junio. Claro que continuava a chover ininterruptamente, mais parecia o anoitecer. Mesmo assim, esta avenida principal, eixo de acesso à baixa da cidade do tango, com 16 pistas nos dois sentidos, é um autêntico salve-se quem puder! E pensávamos nós que tínhamos visto tudo na capital do México!

A nossa meta era encontrar uma agência que nos vendesse os bilhetes para o “ferry” que faz a ligação entre Buenos Aires e Colónia de Sacramento, Uruguai, o que nos pouparia quase que 400 km de desvio, pelas traseiras do delta invertido (pantanoso) da confluência dos rios Paraná, Paraná Ibicuy e Uruguay, que junto à capital argentina desaguam formando o que uns chamam de Rio de La Plata e outros Mar de la Plata e que não é nada mais nada menos que um estuário gigante onde estas águas barrentas se encontram com o Atlântico Sul.

Apenas em dois lugares se encontram estas passagens à venda: ou em Puerto Madero, de onde saiem na baixa da cidade, ou na sua agência de navegação, a “Buquebus” proprietária dos “ferries” e “catamarins” menos bonitos, mas do mesmo tipo dos cacilheiros que agora, em Lisboa, saiem de Sul-e-Sueste para o Barreiro e Montijo.

Nem perderemos tempo a mencionar o caos que foi para estacionar o carro onde era proibido. Isto em ruas pejadas de carros, camionetas, camiões, motociclistas e centenas de pessoas, sempre debaixo de chuva.  Tudo agravado pelo facto de todas as transversais à 9 de Junio serem de sentido único, uma sim outra não, com faixas para autocarros, que a gente tem de usar para virar à direita, se eles deixarem, o que é raro!

Bom, uma hora de espera a compraram-se os bilhetes. Por meia-hora perdemos o serviço, apenas duas vezes ao dia, de Buenos Aires directo a Montevideu. São 3 horas de viagem bem mais confortáveis. Contudo, foi possível encontrar passagem para o barco das 19h30, directo a Colónia. Tínhamos de passar pela alfândega, registar o carro, etc. E como a gente nunca sabe o que pode acontecer, vamos sempre mais cedo. Imaginamos que poderíamos tratar de tudo de imediato e ter tempo de sobra para dar a voltinha possível, assim a chuva abrandasse. Qual quê? Saindo o barco pelas 19h30, o check-in só poderia ser efectuado pelas 18h15. Antes disso nem pensar em ir à alfândega ou à imigração. E ali se passou o nosso tempinho de Buenos Aires, a ver futebol na tv, a passear pelo terminal, a confortar a barriguinha com o que se encontrava. Que nem era mau de todo para restaurante estação fluvial, diga-se de passagem. À hora marcada a gente registou-se, o carro já estava na linha de embarque, com o Zé a postos. Passámos rapidamente os requisitos legais, afinal foi fácil, mas “never fiating, como dizem os inguelêses”, né?

O barquito é bem confortável. As poltronas são muito melhores que a maioria das primeiras classes dos aviões e a hora de travessia passa-se a correr porque aquela embracação não passa de uma garagem flutuante encimada por um duty-free shop jeitosinho...

Uma hora depois, já noite cerrada, desembarcávamos na lindíssima cidade colonial histórica de Colônia, um museu ao ar livre, muito procurado pelos argentinos, em viagens de um só dia. A verificação alfandegária foi rápida e se demorou mais do que devia foi pela conversa que entabulamos com o oficial uruguaio que nos atendeu e que, como tantos outros pelo caminho, nunca tinham apanhado 4 malucos da nossa estirpe e queriam saber pormenores da viagem.

De Colónia a Montevideu são 186 quilómetros por uma boa estrada marginal. Não havia ninguém e quando vimos a luzes da capital uruguaia ao longe, acelerou-se. Estava uma patrulha da polícia, com três carros, a mandar-nos parar. Muito simpático o agente disse-nos que teria de nos multar. Que remédio, disse o Zé... Bom, conversa para aqui, pergunta para a acolá, o agente foi pedir ordens ao chefe. O chefe disse que desta vez passava. Troca de apertos de mão e de cartões, e escapamos ilesos a mais uma! Ah, e ainda tiramos fotos juntos no meio da estrada escura, pois então...

Instalados mesmo na praça central de Montevideu, a da Independência, no mesmo hotel que o escriba havia visitado em Janeiro aquando da visita do Presidente Carlos César ao Uruguai, e onde a comitiva açoriana havia assentado praça, a despeito do adiantado da hora, os escribas de serviço convenceram o recepcionista a abrir o centro de negócios. Pois bem, tudo funcionou menos os malditos computadores, os piores que alguma vez encontramos pelo caminho. Nem fotos nem textos, nada passava. Expedimos o que os leitores já receberam. Frustrados e cansados, dormimos à pressa para tentar na manhã seguinte, já com a funcionária responsável de serviço. Puro engano!

Quarta-feira 14 de Novembro (41) - Montevideu, Uruguai - Todos os utentes se queixavam e a gente perdeu uma manhã na esperança de enviar, nem que fossem meia-dúzia de fotos para manter a chama viva!
Esta travessia do Uruguai, incluía uma visita aos Azoreños de San Carlos de Maldonado, reportagem que os leitores já leram n’Adiáspora.com que este escriba fez em Janeiro passado. Contactado o nosso querido casal amigo, o Eng. Washington Pereira e sua mulher Modestita, informaram-nos que um grupo de 15 membros do rancho do clube ia estar pelas 13h30 no aeroporto de Carrasco (Montevideu) a caminho de Madrid e dos Açores, onde iam actuar. Juntou-se o útil ao agradável, encontramos o grupo todo, ali confraternizamos e batemos “chapas” para a posteridade. Mas porque San Carlos fica a duas horas, outros directores ficaram à nossa espera para que pudéssemos visitar a sede daquela que poderá vir a ser a futura sede da Casa dos Açores no Uruguai. Só que houve um desencontro dos locais, a gente encontrou tudo fechado, mas deixamos jornais e lembranças, arrancando para a fronteira de Chuy/Chuí, com o Brasil, a ver se ainda poderíamos chegar de dia. Porque a auto-estrada da capital está boa, ainda deu tempo para visitar de relance a estância de veraneio de Punta Del Este, onde as praias estavam submersas por ondas tipo Guincho, isto a um mês da abertura da estação balnear, que o Verão aqui coincide com o Natal.

Ficando bem próximo do fim

Uma vez que não queríamos voltar a Punta del Este para o caminho de Chuy, perguntou-se na Rodoviária de San Carlos o melhor caminho. Um dos motoristas da carreira disse: - Se querem ir já, venham atrás de mim porque há ruas impedidas em obras. Foi uma maravilha, na rotunda seguinte, ele foi à vida e nós, direitinhos e agradecidos, para a fronteira, poupando 50 quilómetros.

As formalidades entre a fronteira dos dois países foram mais que simples. Ainda era dia e já estávamos a caminho de Pelotas, no Rio Grande do Sul, pela (mais uma...) recta da reserva do Taím. Em Pelotas, onde se reproduzem todos os doces de ovos das receitas conventuais portugas, encontramos um hotel com computadores decentes. Pela 1h00 da manhã, as fotos enguiçadas estavam em Toronto e os escribas comeram bifes com ovos estrelados e batatas fritas antes de se deitarem.

Tínhamos percorrido 484 km em pouco mais de 6 horas.


Quinta-feira, 15 de Novembro (42) – São José da Terra Firme – Foi uma viagem sem história, debaixo de sol radioso, entre Pelotas e São José da Terra Firme. O que aconteceu à chegada está descrito logo no abrir deste dia.

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