A desertificação é uma das formas mais alarmantes de degradação do ambiente: ameaça a saúde humana e os meios de subsistência de mais de um bilião de pessoas, se não quisermos valorizar, numa perspectiva mais antropocêntrica, a perda da biodiversidade vegetal e animal.
Estima-se que, todos os anos, a desertificação e a seca causem uma enorme perda na produção agrícola mundial, sendo deste modo responsável, pelo aumento do número de mortes associados à fome no nosso planeta.
A temática da desertificação com origem na Produção Animal insere-se no contexto mais vasto das relações de efeitos negativos existentes entre os animais ditos zootécnicos (basicamente animais pecuários) e o ambiente em que são explorados. Estas relações, ou melhor dito, interacções, visto ocorrerem nos dois sentidos e muitas vezes de forma sinérgica, estabelecem-se do seguinte modo:
1) Os sistemas de produção animal mais intensivos, que utilizam fundamentalmente suínos, aves e bovinos de leite e carne em engorda intensiva, e que são explorados segundo o modelo de “fábrica animal”, afectam negativamente o ambiente por via da poluição que originam. São produzidos resíduos que contêm poluentes que por sua vez contaminam o ar, a água e o solo, provocando efeitos variados como patogenicidade, maus cheiros, efeito de estufa e eutrofização de lagoas e cursos de água. A título de exemplo pode referir-se que uma única exploração de suínos no Utah, EUA, que produz 2,5 milhões de suínos por ano, tem um potencial de produção de resíduos orgânicos superior à cidade de Los Angeles, ou que as 1600 explorações leiteiras do Vale Central da Califórnia produzem mais resíduos orgânicos do que uma grande cidade com 21 milhões de habitantes
2) Os sistemas mais extensivos, que se baseiam nos pastoreios de percurso e migratório como o nomadismo ou a transumância, afectam negativamente o ambiente fundamentalmente por via da desertificação que podem causar, esgotando os recursos naturais dos locais onde se instalam temporariamente. O efectivo pecuário nas regiões áridas da terra tem aumentado a par e passo com o aumento demográfico, estimando-se que nos últimos 30 a 40 anos o encabeçamento (número de animais por área de pastoreio) tenha atingido 5 a 12 vezes o valor recomendado. O elevado impacto do sobrepastoreio daqui resultante traduz-se num enorme contributo da produção animal no aumento das áreas desertificadas do planeta, relacionado obviamente, com a actividade humana nalgumas regiões terrestres. A título de exemplo refira-se que no total dos contributos humanos para a desertificação, 18% deles, na China, resultam do sobrepastoreio. As contribuições do sobrepastoreio para a desertificação local associada às actividades humanas são maiores noutras regiões do planeta como o norte de África, com 26% dos contributos, a região do Sahel, com 65% e a Ásia, com 62%.
3) Os ecossistemas, por sua vez, reagem aos sistemas extensivos condicionando (seleccionando) as espécies e mesmo as raças que aí podem ser exploradas, visto que algumas das suas características ditas “difíceis”, como temperaturas extremas, escassez de água, abundância de substâncias tóxicas e salgadas, orografia acidentada e mudanças sazonais acentuadas da composição florística que se reflecte na qualidade da dieta animal, pode limitar a presença de determinados animais.
Dos animais zootécnicos, são fundamentalmente os pequenos ruminantes (ovinos e caprinos) e os camelídeos, aqueles que melhor resistem aos ambientes ditos difíceis – áridos, por possuírem um conjunto de características favoráveis, designadamente:
a) fisiológicas, como a. rusticidade, resistência à desidratação, resistência a substâncias tóxicas e salgadas, elevada capacidade de termorregulação, e superior digestibilidade para a fibra;
b) anatómicas, como por exemplo, o tamanho corporal, membros longos, pelagem clara, focinho afunilado, mobilidade labial e lingual e agilidade); e finalmente,
c) comportamentais, como a grande capacidade de ingestão, capacidade selectiva para as peças anatómicas mais nutritivas das plantas (meristemas, flores e frutos), grande versatilidade alimentar, comportamento browser, posição bipedal, carácter independente, corajoso e curioso.
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São os caprinos que apresentam o maior número destas características e que por isso mesmo, em associação com outras virtudes que possuem (importância social pela qualidade dos seus produtos), estão mais presentes nas regiões áridas onde o processo de desertificação está em estádios mais avançados e é mais visível. Daí surge a tendência para se associar a cabra à desertificação, considerando-se mesmo um dos seus agentes principais. Ora, se por um lado a cabra pode de facto contribuir para a desertificação devido ao seu comportamento alimentar (as suas preferências vão para as estruturas anatómicas das plantas que são essenciais para o seu crescimento, desenvolvimento e dispersão, como os rebentos, flores e frutos) não será menos verdade que muitas vezes ela faz parte da longa cadeia deste processo onde já participaram outros animais, o clima, e fundamentalmente, o homem, pelas más práticas agrícolas que adoptou. Como a cabra aparece em último lugar nessa sequência de contributos para a desertificação, paga “culpas próprias e alheias” tornando-se num “bode expiatório”.
Por todo o mundo, são raros os países que já não introduziram programas de perseguição e mesmo de erradicação da cabra. Portugal é um “bom” exemplo pois já “conseguiu” eliminar uma espécie selvagem (cabra do Gerês –Capra pirenaica lusitanica, extinta em 1921 numa excursão venatória promovida pelo jornal “O Século”) e agora, possivelmente com alguma justificação, tenta, se é que ainda não conseguiu, eliminar a cabra feral das ilhas Desertas da Madeira (para protecção da flora endémica).
É importante salientar a acção positiva que a cabra pode exercer sobre o ambiente, inclusivamente na defesa contra a desertificação, na medida em que pode ser muito eficaz na luta contra incêndios, na dispersão de vegetação através das sementes transportadas nas fezes (a cabra faz grandes percursos diários), na recuperação de flora herbácea (a cabra prefere arbustos) ou no controle de infestantes.
Os desertos avançam nos cavalos alados da irresponsabilidade individual, social e planetária, empunhando ostensivamente a arma da desertificação, qual divindade formada do sono e da noite que vai rodopiando no ar a sua foice.
Neste palco da vida não vale a pena vociferar “cobras e lagartos” ou arranjar “bodes expiatórios” porque estes não têm culpa de lhes prepararmos os espaços predilectos.
Uma forma de combater a desertificação poderá ser através da investigação voltada para a convivência saudável com as regiões semi-áridas do globo, pela implementação de Sistemas de Produção Sustentáveis Agrossilvipastoris, tal como o que está a ser implementado no Ceará-Brasil. Para isso, há que respeitar os limites naturais desses sistemas evitando a desflorestação, as queimadas e o sobrepastoreio.
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