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ADEUS AMIGO MÁRIO LEBRE
Por Carlos Morgadinho
Adiaspora.com
Mário Lebre sempre "amou"
a Revolução dos Cravos
Foi com bastante pesar que, na manhã de
domingo, dia 29 de Janeiro de 2006, recebemos a triste noticia
do falecimento deste nosso conterrâneo e amigo, o Mário
Lebre, aos 73 anos de idade, vitimado por doença incurável
que tinha sido diagnosticada poucas semanas antes, mais precisamente
nos fins de Dezembro passado. Quase que não queríamos
acreditar. A sua filha Nancy, que nos deu a informação
pelo telefone quando contactámos a sua casa ansiosos de
saber se havia melhoras na sua luta contra aquele mal, quase que
não articulava as palavras do triste desfecho pelo choro
e angustia que tomou conta de si pela perda irremediável
do seu pai.
Mário de Almeida Lebre era natural de Seminde, Miranda
do Corvo, distrito de Coimbra e residia há mais de 40 anos
no Canadá, dois dos quais em Montreal e os restantes anos
em Toronto. E foi um cidadão que sempre pugnou pela defesa
dos Direitos Humanos, da Democracia e da Liberdade. Exilou-se
para fugir às “garras” do fascismo do ditador
Oliveira Salazar e, fora do “seu” Portugal, que aquele
saudoso membro da nossa comunidade amava com todas as suas forças,
continuou, nos países de acolhimento (França, Bélgica,
Alemanha e por fim Canadá), a sua resistência à
ditadura, à guerra colonial nas antigas colónias
portuguesas em África e contra a ocupação
e genocídio em Timor Leste pela Indonésia. Foi o
impulsionador e fundador, com um outro pequeno grupo de democratas
residentes nesta cidade de Toronto, da formação
da Associação Cultural 25 de Abril (Toronto) que
todos os anos comemora aquela efeméride histórica
que libertou Portugal e restaurou a Liberdade e a Democracia há
muito cerceada.
Na liderança das representação
da AC25A na manifestação contra a Guerra do Iraque
A comunidade portuguesa, e não só,
ficou bem mais “pobre” com o desaparecimento físico
deste “lutador” por todos nós conhecido que
sempre se sacrificou pelos seus ideais e pela defesa dos direitos
do cidadão e contra a prepotência das grandes nações
desta “Aldeia” global.
Na comemoração, anos atrás,
do Aniversário da Revolução do 25 de Abril
em Toronto
À família enlutada, na pessoa da
viúva, D. Victória Lebre e suas duas filhas, Maribel
e Nancy, o corpo redactorial do Portal “Adiaspora.com”
apresenta os sentidos pêsames.
Abaixo transcrevemos, na íntegra, a entrevista feita a
este nosso saudoso colega (foi também, anos atrás,
colaborador assíduo no Jornal “Nove Ilhas”
de Toronto) e cidadão publicada no ano de 2004 no magazine
“25 de Abril”, por volta das comemorações
da “Revolução dos Cravos” daquele ano.
Há muito que tínhamos em mente
entrevistar este nosso compa-triota aqui radicado há mais
de 37 anos, não só por ser um dos fundadores da
Associação Cultural 25 de Abril (Toronto) Núcleo
Capitão Salgueiro Maia, como também por ser conhecido
por muitos pelo seu envolvimento nas manifestações
contra a ditadura que vigorava então em Portugal.
Mais tarde, após o 25 de Abril de 1974, deu-se a invasão
e ocupação de Timor Leste pela Indonésia
e lá vimos o Mário Lebre integrado nas diversas
manifestações que se realizaram frequentemente junto
da Embaixada daquele país do Sudoeste Asiático e
que denunciaram não só a ocupação
brutal daquela ex-colónia portuguesa, como o genocídio
perpetrado no povo maubere, traduzido em algumas centenas de milhares
de mortos e desaparecidos.
Conhecemos bem este luso-canadiano, hoje com 71 anos de idade
e reformado há já alguns anos, respeitado por quase
todos os que o conhecem pelos anos que, desinteressadamente, despen-deu
em prol da justiça social e contra a prepotência
de muitas nações ditas democráticas e defensoras
dos direitos humanos.
Mário Lebre numa festa dedicada
ao 25 de Abril
Carlos Morgadinho:
O Mário Lebre, como sócio fundador e presente sócio
honorário da Associação Cultural 25 de Abril
(Toronto) vai-nos falar muito resumidamente de si para que os
nossos leitores fiquem a saber mais da sua pessoa.
Mário Lebre:
Nasci num lugar que pertence ao Concelho de Miranda do Corvo,
a nove ou dez quilómetros de Coimbra, e lá vivi
até completar os treze anos de idade. Fui depois trabalhar
para Coimbra, para um café defronte do “Portugal
dos Peque-ninos”, e dali mudei-me para um talho que ficava
ao lado daquele mencionado café, que deixei para cumprir
o serviço militar, naquela cidade de Coimbra. Depois de
desmobilizado, fui para Benavente, na região ribatejana,
para uma firma cujo sócio era meu primo e padrinho. No
ano de 1958, foi o “inferno” e a reviravolta da minha
vida porquanto tinha-me envolvido e apoiado a campanha do General
Humberto Delgado.
Um senhor todo-poderoso de Benavente e ricalhaço, o Engenheiro
Calheiro Lopes, proibiu-me de trabalhar na campanha daquele candidato.
Para isso, um dia fui convidado para um almoço por um dos
meus patrões, onde estava o Presidente da Câmara
de Benavente. Quando o vi, apercebi-me qual era o assunto para
que tinha sido convidado. Aquele autarca avisou-me que "o
Senhor Engenheiro não quer que o amigo Mário Lebre
ande envolvido na campanha do Humberto Delgado porque aqui, em
Benavente, nunca houve oposição". A isto respondi:
“Ouça Sr. Doutor, nunca houve mas vai haver agora.
E para trás não volto!” Valeu-me isto, não
na altura, mas mais tarde, o despedimento.
Falando na campanha de Humberto Delgado, ficámos no dia
das eleições na missão de fiscalizar uma
estação de voto, mas não o fizemos por termos
sido impedidos, já que o Ministro do Interior da altura
ter dado ordens no sentido de não haver razões para
tais actos. No entanto, deixaram-nos votar. O tal Calheiro Lopes
apareceu na altura, para votar, com um embrulho repleto de votos
nas mãos. Insurgimo-nos contra o facto de o ir fazer, pois
já tinha votado em mais de sete lugares.
Acabaram-se as eleições e, claro, ganhou o Almirante
Américo Tomás. Pudera, com todas aquelas fraudes,
não era de espantar! Tinha que ganhar. Era a vontade deles.
A partir daquela altura, comecei a ter problemas no local de trabalho
até que, em 1961, fui despedido.
Fui para Lisboa e fui-me apresentar no Jornal da República,
e falar com o Dr. Carvalhão Duarte, que era o director,
e que pôs um pequeno anúncio, sem indicar o meu nome,
no dia 11 de Junho de 1961, o que pode ser verificado na Biblioteca
Nacional. E assim, lá consegui obter colocação.
O Dr. Carvalhão Duarte perguntou-me, entre-tanto, se conhecia
alguém no estrangeiro. Respondi afirmativamente, acrescen-tando
não ter conseguido obter passaporte porque me era negado
sempre que submetia o requerimento. Ele disse-me que iria tratar
do assunto e que, possivelmente, iria contactar alguém
que emitisse o tão desejado passaporte.
Continuava, entretanto, a trabalhar na Favorita, no Bairro da
Graça, como motorista e distribuidor de gelados, o que
me permitiu viajar por muitos lugares e cidades do país.
Passados uns tempos, fui chamado pelo Dr. Carvalhão Duarte,
que me entregou o passaporte. Fui para a França. Permaneci
naquele país dois anos, tendo trabalhado numa fábrica
de fazer portas, como carpinteiro. Seguidamente, fui para a Bélgica
onde estive apenas dez meses por não ter gostado de lá
viver. Desloquei-me então para a Alemanha onde trabalhei
nos Correios, como serralheiro, que não era a minha profissão,
mas adaptei-me muito rapidamente. Tudo porque lá precisavam
de alguém com aquele ofício e os portugueses que
lá estavam me terem dito para dizer que sim, isto é,
que sabia da arte. Assim, fui para a manutenção
dos vagões dos Correios e lá permaneci até
que me apareceu a ideia de emigrar para o Canadá.
Fiz o requerimento no Consulado de Dusseldorf e, em pouco tempo,
fui chamado. Cheguei ao Canadá numa altura má, porquanto
tinha encerrado a Expo 67 de Montreal e não havia trabalho.
Ao fim de 16 dias de ter chegado, nasceu a minha filha. Lá
ia vivendo, trabalhando onde calhava, até que o departamento
de Imigração me perguntou se estava interessado
em frequentar aulas de aperfeiçoamento na arte de soldador,
da qual já tinha umas luzes, pois tirei uns cursos à
noite enquanto estive na Alemanha. Algum tempo depois vim para
Toronto, onde se dizia ser mais fácil obter trabalho. Comecei
a trabalhar numa fábrica em Brampton, tendo entrado para
o Sindicato dos Caldeireiros, do qual fui membro até me
reformar.
Mas voltando à minha estadia em Montreal, encontrei naquela
cidade, um nosso companheiro, o meu amigo Saraiva Birrento, que
me levou para o Movimento Democrático Português,
sedeado naquela cidade. Naquele centro passávamos muitos
serões, tendo oportunidade de conhecer o Viana, o Costa
Gomes, e muitos outros cujos nomes, infelizmente, não me
lembro de momento.
Quando vim para Toronto, já sabia da existência da
Associação Democrática, onde pernoitei e
onde me envolvi de imediato. Comprou-se, ainda no meu tempo, uma
sede, localizada na Dovercourt Road, a norte da Dupont Street,
que, infelizmente, se perdeu por má gestão. Continuámos,
no entanto, apesar dos reveses económicos, a juntarmo-nos
assiduamente. Éramos um pequeno grupo e com o 25 de Abril,
o nosso número aumentou consideravel-mente com a adesão
de muitos democratas que, até então, se encontravam
no anonimato. Aqui começaram a aparecer os atritos, pois
os novos elementos eram os verdadeiros “democratas”
e os do grupo já existente, do qual eu fazia parte, foram
apelidados de “reaccionários”.
Começou a haver choques ideológicos e, em 1987,
deu-se a ruptura, tendo eu sido expulso. Ao fim e ao cabo, foi
até uma “bênção”, pois
concretizou-se uma ideia de um outro pequeno grupo de amigos que
todos os anos nos juntávamos em jantares comemorativos
do 25 de Abril. Eram eles o Mário Corte Real, Henrique
Santos, Walter Lopes, Dr. Tomás Ferreira, Joaquim Paulo
(Portugal), Odete e Carlos Melo e Maria João Lisboa. E
assim, mais tarde soube-se que havia um grupo que trabalhava aqui
em Toronto para a Associação 25 de Abril mas que,
por razões que desconheço, não se projectava
e não oficializava a sua actividade. Quando da vinda a
Toronto do General Pezarat Correia, em 1993 ou 1994, não
posso precisar o ano exacto, fomos aconselhados a registar o nosso
grupo para termos oficialmente o apoio da sede da A25A de Lisboa.
Assim fizemos e no dia 12 de Setembro de 1994, registámos
a associação e daí para cá, todos
os anos a Associação Cultural 25 de Abril tem comemorado
o 25 de Abril sempre com a presença de um Capitão
de Abril.
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