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Mário Lebre numa foto muito peculiar com o seu boné preto

Foram tempos difíceis pois éramos poucos e as despesas com a vinda daqueles militares tinham que ser absorvidas por nós. Receitas não existiam e as quotizações eram direccionadas para Lisboa. Assim, além dos jantares, tínhamos que colectar mais de duzentos dólares por pessoa para cobrir os encargos do nosso convidado. Com muita honra e satisfação, tivemos entre nós, além do General Pezarat Correia, os coronéis Vasco Lourenço, Otelo Saraiva de Carvalho, Santa Clara Gomes, Pita Alves, José Luís Villalobos; os majores Sanchez Osório e Mário Tomé, o Comandante Carlos Almada Contreiras e, finalmente, o Almirante Victor Crespo. Este ano, como sabe, teremos a presença do Coronel António Dinis Delgado Fonseca e de uma amiga minha de longa data, pela qual tenho muita consideração, que tem a seu cuidado o Centro de Documentação 25 de Abril da Universidade de Coimbra.
Neste últimos anos, a Associação Cultural 25 de Abril tem trabalhado de maneira diferente, com pés e cabeça, auto-suficiente, com Direcções que têm administrado e organizado as suas festas da “Revolução dos Cravos”, com as despesas a serem cobertas pela receita de edições de jornais ou revistas de qualidade.


Mário Lebre com um grande amigo, o Vereador de Toronto, Joe Mihevc

CM: O Mário Lebre continuou, mesmo após o 25 de Abril de 1974, a envolver-se em manifestações em prol de causas justas?
ML: Sim. À parte das actividades do 25 de Abril, eu fui sempre um activista pela causa de Timor, juntamente com o José Alves, Jorge Marcelino e Idalina Silva, o professor Fernando Nunes, o João Rolo, agora ausente em Portugal, e um grupo de canadianos e até de cidadãos americanos e asiáticos. Lutámos bastante pela causa Timorense e, felizmente, ganhámos. Timor foi libertada. Verti muitas lágrimas pelo sofrimento do povo maubere, um autêntico holocausto dos nossos dias, embora, infelizmente, esquecida ou ignorada pela maioria de nós.
Mas o 25 de Abril não estaria completo se Timor não fosse libertado e foi. Hoje é uma nação livre, embora destruída e martirizada pela ocupação Indonésia. Poderá ter, e certamente que tem, muitíssimas dificuldades de toda a ordem, desde a económica à reestru-turação das infra-estruturas. A demo-cracia não tem preço. Estou muito satisfeito pela libertação de Timor. Vamos ajudar a pôr aquele país de pé. A Associação Cultural 25 de Abril tem, dentro das suas possibilidades, ajudado aquela nação. Tempos atrás enviou-se uma remessa de dinheiro para um orfanato e, desta vez, uma nossa apoiante, a Idalina Silva, que se encontra em comissão em Timor, levou-nos um caixote de material escolar para as crianças de um orfanato cujo nome não me recordo.
Na generalidade, estou satisfeito com as actividades da Associação Cultural 25 de Abril.
CM: O Mário Lebre, se voltasse alguns atrás, estaria disposto a fazer o que fez, isto é, a envolver-se neste tipo de actividades?

ML: O mesmo, era o mesmo. Só que se eu soubesse as asneiras que se têm feito, corrigi-as de imediato para que as coisas corressem de maneira diferente e melhor. Não mudaria a minha maneira de pensar. Esta é a minha maneira de estar no mundo. Sigo em frente com a minha cruzada e nunca volto atrás ou me arrependo das minhas acções.
CM: Que ganhou até agora com o seu envolvimento?
ML: Tenho ganho muita experiência e tem sido fabulosa a “riqueza” que adquiri. Foram centenas de amigos, tanto em Portugal como aqui. No Porto e em Lisboa, tenho um número desses amigos o que, para mim, valeu mais do que a totalidade do seu peso em ouro. Todos eles são amigos verdadeiros e quero destacar aqui o Sr. Coronel Vasco Lourenço. Lamento a perda de alguns, que a morte nos vai, ano para ano, levando. E alguns desses bons e inestimáveis amigo, como foi o caso do Capitão Olivença e do Sargento Ricardo, deixarem já o mundo dos vivos. E isto entristece-me deveras.
CM: Quer dizer-nos que a sua família não é só aquela que está em sua casa?
ML: É verdade. Já a minha mulher anda a dizer há muito que a minha família é a Associação 25 de Abril. Claro que não é. No entanto, depois da minha mulher e duas filhas, a quem muito amo, é verdade ser a Associação 25 de Abril a maior riqueza na minha vida, da qual já conto 71 anos.


Na recepção de honra ao Dr. Carlos César na sua visita a Toronto

CM: O Mário Lebre não é só Abrilista nas suas actividades sociais mas também no mês do seu aniversário natalício, pois é de Abril.
ML: Nasci no “Dia das Mentiras”, no primeiro de Abril, e é possível que já tivesse dito algumas. No entanto, posso dizer-lhe que não são mentiras que prejudiquem. Às vezes diz-se uma “peta” por brincadeira, mas nada de causar danos. Isso não faz parte do meu ser como homem. Gostaria também de acrescentar o meu apreço pela comunicação social, tanto falada como escrita, que sempre me apoiou quando lhe bati à “porta”, nunca me dizendo não. Estou, pois, imensamente grato pelo apoio dessa gente da TV, rádio e jornais, que é de louvar. Para eles vai um muito obrigado.
CM: Andam para aí histórias que, no tempo do fascismo, se organizavam manifestações defronte do Consulado de Portugal.
ML: A primeira manifestação em que participei foi em Montreal. Aqui em Toronto em muitas, inclusive contra as armas nucleares, defronte dos Consulados e Embaixadas. Outras manifestações das quais fiz parte incluem aquelas para que o Nelson Mandela fosse libertado, o que se conseguiu, e nas de Timor-leste nem se fala, porque eram feitas constantemente junto do Consulado da Indonésia, até com muitas vigílias. Neste último ano, envolvi-me em manifestações com outros membros da Associação Cultural 25 de Abril, contra a guerra no Iraque, uma delas com mais de 80 mil pessoas. As nossas bandeiras, a da Associação 25 de Abril e de Portugal, lá iam, lado a lado, mostrando a nossa repulsa pelo uso da força contra o Iraque, sem o consentimento, claro, das Nações Unidas. Na minha ideia, foi uma guerra para o controlo do petróleo e não para o derrube do Saddam Hussein, outro tirano de má memória. As Nações Unidas só são invocadas para aquilo que eles querem e não para aquilo que efectivamente deveriam fazer. E isto é o que a administração do Presidente George W. Bush vem fazendo a seu belo prazer.


Na varanda da sua residência durante a campanha eleitoral da província do Ontário

CM: Lembramo-nos de o Mário Lebre ter, não há muito tempo, lamentado a falta de coesão dos cidadãos e dos portugueses para estes casos de prepotência. Que nos diz?
ML: Participam pouco, embora seja já uma comunidade bastante grande. Primeiro, não vai votar. É aqui que vivem e é aqui que pagam os impostos e por isso, deveriam ter mais consciência político-social. Mas, infelizmente, não é isso que acontece. Lá em Portugal acontece o mesmo, isto é, sofrem da mesma doença, a apatia. As organizações chamadas de cúpula trabalham muito para os seus dirigentes. Isto é um facto que me entristece o dos portugueses não votarem. Estão muito preocupados com outros assuntos secundários e o voto, como se sabe, é a nossa voz. É com os votos que os políticos nos auscultam e sabem se estamos satisfeitos ou não. Quando, por exemplo, a nossa comunidade quer ou pede algo ao Governo, eles, certamente irão consultar os cadernos eleitorais e verificar a nossa comparticipação nas eleições. Se não o fazemos, claro que a resposta será certamente negativa. Já devíamos ter alguém da nossa comunidade nos Parlamentos e Câmaras para defender os nossos interesses. Mas, enfim, isto é triste e mau. Já tivemos eleitos, mas hoje temos pouquíssimos.
Aqui unicamente se faz uma parada pelo 10 de Junho, e isto não é suficiente, embora vaiam alguns políticos. Esses, os políticos, até devem ficar contentes pois lá dizem para os seus “botões” que enquanto os portugueses se preocupam com isso não lhes dão dores de cabeça. Não estou a falar das procissões religiosas que se organizam frequentemente na nossa comunidade. Essas, os políticos sabem as razões, a fé e devoção religiosa, e respeitam-nas, certamente. Eu falo das outras. Devemos, é sim, votar.
Finalmente, quero repetir uma frase do Agostinho da Silva
“Ainda bem que fui expulso pelo Fascismo, pois no estrangeiro desenvolvi a minha cultura social.”

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