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Possíveis origens

Nos ritos que constituem a parte visível do Culto podem ser percebidas sucessivas camadas de sentidos, formando estratificações temporais, provenientes de épocas diferentes. Supõe-se que, ao longo dos tempos, terão sido adaptadas e integradas por diferentes entidades, como legado tradicional do vocabulário religioso. Embora os sentidos não sejam coincidentes na essência, acabaram por conseguir coalescer na forma, obtendo uma certa coerência final.
Analisando os modelos actuais, verifica-se que o conjunto de ritos através dos quais os valores do Culto são expressos, baseia-se num vocabulário alimentar, característico das primitivas sociedades agrícolas Europeias. Esta será a sua primeira camada. Correspondia a um contracto estabelecido com as divindades protectoras da Terra e da Natureza, todos os anos selado com a entrega das primícias de Primavera, ou os primeiros frutos da Terra, garantindo assim o direito à utilização das sobras, sem receios de castigos, durante o resto do ano. Os elementos simbólicos desse tempo são também os de agora: cereais, vinho e carne.
Nas performances do Culto nos Açores, pelo menos sete diferentes qualidades de pão marcam situações e intenções específicas. Os ritos ligados ao vinho são também expressivos de uma simbologia agora em desuso, que o Culto do Espírito Santo retoma. Quanto à carne (do "bezerro do Espírito Santo"), parece testemunhar de modo ainda mais evidente, essa outra perspectiva do sagrado.
A circulação destes alimentos (manipulação e sacrifício/oferta), carregada de significações implícitas, é proporcionada pelos diferentes ritos, constantes da acção do Culto, obtendo grande visibilidade em cortejos de oferendas e refeições cerimoniais. Não obstante a falta de sentido destes ritos para a mentalidade e correntes filosóficas das sociedades em que tiveram lugar, ao longo das últimas centenas de anos, a imagem do Culto continua a ser representada por estas majestosas refeições cerimoniais.
A raiz arcaica destes ritos manifesta-se de duas formas: a) na noção de "sacrifício" visto como "oferta", acrescida da compulsividade ou obrigatoriedade do acto (da devolução das "primícias" aos deuses, por intermédio dos humanos); e b) na tradição oral, presente principalmente nas estórias de "milagres" atribuídos ao Espírito Santo. O fundo arcaico do pensamento teológico do Culto é facilmente descoberto numa análise a esta matéria (possível de consultar na Internet, no site citado abaixo).
Uma segunda camada temporal é formada pelo passado Hebraico do Culto, omnipresente no ritual, dado o seu próprio arcaísmo. O significado da data, as sete semanas após a Páscoa Hebraica, ou quarenta e nove dias, sendo o quinquagésimo (em hebraico Shevuoth, do Grego “Pentecostes”) o da celebração da saída dos Hebreus do Egipto, a ênfase colocada nas ofertas de pão e no sacrifício do bezerro (um “boi jovem”), são prescrições para esta Festa, constantes dos Livros Sagrados do Antigo Testamento (Levítico 23 v 15-21). Mas muitos outros sentidos atribuídos aos actos do Culto poderão ter origem Hebraica.
A terceira camada é composta por ritos litânicos, preces e cânticos, cuja raiz parece mais próxima dos procedimentos Cristãos católicos, e que têm lugar durante a semana de cerimónias que constitui cada realização do Culto. A simbologia da Pomba pode ser um exemplo.
Por último, vários elementos da forma, assim como o sentido "Imperial", são atribuídos aos Reis de Portugal, Isabel e Diniz, que instituem no início do século XIV, o cerimonial da Coroação, como um possível símbolo da delegação de poderes no homem comum.

História

Em 1130 nasce em Célico, Itália, Joaquim de Fiore, monge eremita que reinterpretou as Sagradas Escrituras, apresentando uma perspectiva evolutiva da humanidade, como progredindo para a autonomia moral. Passaria por três etapas, a primeira (Deus Pai) caracterizada por uma submissão à religião, a segunda (Cristo) por uma maior responsabilização do homem no processo da sua salvação, e a terceira, a do Espírito Santo, seria baseada numa visão do homem como capacitado para gerir uma total autonomia moral.
A nova visão do homem, iluminado pelo Espírito, motivou movimentos de igualdade e de solidariedade que foram assumidos por vários reinos Europeus, considerando ter chegado a Idade do Espírito Santo. Cerca de duzentos anos mais tarde é a vez de Portugal acolher oficialmente o Culto, através da acção da Rainha Santa Isabel (1271/1336), que se difunde facilmente, possivelmente devido às calamidades e fome que abundavam.
Gaspar Frutuoso (1522/1590), cronista Açoriano descreve o primeiro acto religioso nos Açores (descobertos cerca de 1430), como tendo lugar ainda a bordo da embarcação, ao largo de Santa Maria: uma Missa do Espírito Santo, nome que depois foi dado ao local onde desembarcaram.
A circunstância de, durante o primeiro século do povoamento, ter sido atribuída à Ordem dos Cavaleiros de Cristo, de Tomar, não só a responsabilidade sobre o mister religioso do Arquipélago (ao abrigo das bulas papais Etsi suscepti de Eugénio IV, de 1443, e Romanus pontifex, de Nicolau V, de 1445), mas também a da educação das populações, assim como a proximidade existente entre estes e os frades franciscanos, fez com que o Culto (do qual os franciscanos eram devotos) obtivesse a máxima divulgação, instituindo-se como cultura de base no Arquipélago.
Só em 1514, com a transferência dessa autoridade para a diocese do Funchal (devido à extinção da vigariaria de Tomar), e em 1550, com a criação da diocese de Angra, através da bula Aequum reputamus, começa a delinear-se a oposição da Igreja ao Culto. Esta oposição, fruto do espírito gregoriano, que pretende estabelecer impedimentos à participação dos leigos nos ofícios religiosos e demarcar separações entre o sagrado e o profano, faz com que alguns aspectos do Culto comecem a ser classificados como heresias simoníacas, o que conduz gradualmente à sua extinção, no continente Português. Nos Açores, onde o Culto sempre foi considerado parte integrante da cultura, a acção depuradora da Mesa da Inquisição, especialmente durante o domínio Filipino, mas também posteriormente, pelos restantes órgãos da Igreja, obteve diferentes resultados. Os conflitos e as proibições, assim como as ameaças de “excomunhão”, pendentes ao longo de séculos, provocaram, ao invés, fortes reacções contrárias por parte das populações, o que terá permitido a sobrevivência do Culto, que é assumido como marca identitária.
Uma prova concreta deste sentimento está presente na acção política da Região: desde a instituição da Autonomia Regional dos Açores, em 1976, e por Decreto Regional nº 13/80/A, de 21 de Agosto, o Dia da Autonomia (Dia dos Açores) ficou consagrado como o da Segunda-Feira do Espírito Santo.

A Diáspora

Dos Açores, o Culto é levado para os países de emigração açoriana: Brasil, E.U. da América (incluindo Bermudas e Havai) e Canadá, continuando a manifestar-se como elemento aglutinador da cultura lusa, embora tendo sofrido as necessárias adaptações às condições locais.
A exemplo, veja-se como as comunidades do Brasil, por este país se situar no Hemisfério Sul, onde o tempo mítico da Primavera não coincide com o Pentecostal (distorcendo assim o sentido da oferta/sacrifício das Primícias, ou primeiras colheitas), solucionaram o facto da não coincidência, nem temporal, nem em substância. Os alimentos que funcionam como vocabulário simbólico foram substituídos por outros, retendo o espírito da dádiva e das refeições cerimoniais, que marcam notoriamente a vivência da comunidade açoriana entre as demais. Num sítio da Rondónia, no centro da Amazónia, o cortejo da Coroação é feito de barco. Toda a costa Leste de Santa Catarina e do Rio Grande do Sul, para onde emigraram cerca de seis mil açorianos no século XVIII, é palco de rituais do Culto do Espírito Santo, presentemente em trabalho de investigação na Universidade local. Mas também o Rio de Janeiro e principalmente, S. Paulo, evidenciam grande actividade do Culto.
Já nos E.U. da América, a contradição gerada entre o espírito de solidariedade do Culto e a cultura de grande competição económica local, conduz a uma adaptação da imagem exterior: o cortejo da Coroa assume carácter de demarcação de estatuto social e as grandes Irmandades da Califórnia, por exemplo, conseguem posições de prestígio e de afirmação própria, devido à coesão interna que o Culto facilita.
Tal como nos Açores, são entidades independentes, o que dificulta um conhecimento generalizado sobre as suas práticas. No entanto, Heitor Sousa, que durante mais de dez anos foi o promotor de um encontro de regularidade anual, entre as Irmandades da Costa Leste (Nova Inglaterra e Canadá), intitulada a “Celebração das Grandes Festas do Divino Espírito Santo da Nova Inglaterra”, que têm lugar na última semana de Agosto, conseguiu ao longo deste tempo fazer reunir cerca de cento e vinte e cinco Irmandades (no ano 2000, congregou 75 da Nova Inglaterra e 50 do Canadá), num total de participantes que varia entre vinte a cinquenta mil pessoas. Nesta celebração original, onde aparentemente o Culto teria sofrido uma descaracterização, passando de festa comunitária a grande encontro social, são no entanto reproduzidos dois ritos nucleares: (1) a distribuição gratuita de alimentos simbólicos (Bodo de Leite), que tem lugar no Sábado de Festa, no grande largo da Igreja de Fall River, onde a “massa sovada” (um pão doce) e o leite (devidamente acondicionados segundo as prescrições higiénicas locais) são partilhados com quem os queira receber; e (2) a cerimónia da Coroação, que tem lugar no Domingo, durante a Missa, geralmente oficiada por uma alta dignidade (Arcebispo ou Cardeal), a que se segue o Cortejo da Coroação, no qual são incorporados representantes de altos cargos políticos dos dois países, e que percorre as ruas da cidade, por entre multidões.
O Canadá apresenta uma distribuição, entre Vancouver e Montreal, de cerca de quarenta Irmandades (recenseadas), cuja realização dos rituais mantém configurações mais semelhantes aos modelos tradicionais açorianos, retendo até a participação dos foliões, elemento já pouco comum nos Açores.
Investigadores do fenómeno nos Estados Unidos são unânimes em afirmar que, de um modo geral, o Culto conserva as características nucleares, visíveis nos Açores, tanto na prática religiosa executada por leigos como na afirmação identitária e comunitária, e no uso de alimentos e arte efémera sob a forma de metáfora, na divulgação da sua mensagem.
Tendo passado ao Oceano Pacífico, o Havai é sede de uma organização de Irmandades do Espírito Santo que festejou um centenário em 1991.
A regularidade do fenómeno sugere que pelo menos parte da coesão verificada entre as comunidades de emigrantes açorianos, nos países de acolhimento, possa ser explicada pela aderência à prática continuada do Culto do Espírito Santo.


A Dra. Zelinda de Lima durante a leitura do seu trabalho de pesquisa

Na mesma tónica, foi a comunicação seguinte, desta feita a cargo de Carlos e Zelinda de Lima, historiando o Divino com outra perspectiva. Vejamos:

Clicar aqui p/ ver o texto sobre o Espírito Santo

A erosão de muitas horas de conferências, o calor, a humidade (sobretudo) e o pouco dormir acabaram por exercer uma pressão adicional sobre todos os participantes. Por isso a ‘folga’ desta noite foi bem-vinda para uma confraternização mais pessoal com as organizadoras. Foi a noite do célebre forró. No Armazém da Estrela, o barzito transformado em boîte foi o destino por algumas horas. Já vestidos com o ‘escrete canarinho’, numa antecipação febril pelo Mundial-2006 de futebol que se avizinha, os músicos já tocavam quando entrámos e ficaram a tocar quando saímos, já de madrugada, um grupo quase só de jornalistas, a que se juntou o Paulo Cunha, arquitecto e músico. A orquestra cantou, dançou e tocou ininterruptamente, forçando o Zé e eu a pensarmos alto dos bailaricos comunitários em que os nossos conjuntos habitualmente fazem intervalos de três em três musiquinhas. É assim...
Ah!... foi também a noite do primeiro contacto com uma cachacinha local, chamada de Tiquira, extraída uma palmeira com o mesmo nome, aveludada e levemente colorida de uma tonalidade lilás. Parece água, pela sua macieza. Mas não difere da que deu o nome ao famoso ‘baião’: Se você pensa que cachaça é água / Cachaça não é água não... E não é mesmo, tá?!!!

Quinta-feira, 11 de Maio de 2006 – Na manhã do último dia do Encontro, parece que já a saudade se ia ao de leve estampando nos nossos rostos. Para a etapa final, iniciou os trabalhos a Dra. Luísa Noronha, investigadora, a elaborar uma tese de doutoramento sobre "A Ilha de Santa Maria e a construção do Espaço Atlântico nos séculos XV a XVIII" e Assessora para os assuntos gerais do Presidente do Governo Regional dos Açores, pessoa que vimos, durante todo o tempo, seguir apaixonadamente todas as manifestações culturais da embaixada açoriana, intensa, alegre, dedicada.


A Dra. Luisa Noronha dissertando sobre a sua investigação histórica

A História dos Açores – "Entre o velho e o novo mundo"
... Ou as revelações históricas da Dra. Luísa de Noronha

Este, o título da sua sólida e reveladora palestra. Sólida porque perfeitamente alicerçada numa pesquisa em documentos inicialmente depositados – que não organizados ou merecedores dos necessários cuidados – na Câmara Municipal da Vila do Porto (Santa Maria) e, posteriormente, transferidos para a Biblioteca Pública e Arquivo Regional de Ponta Delgada onde igual (má) sorte lhes foi votada, acabando num processo de deterioração do qual muitos se irão irremediavelmente perder. Malvadas as burocracias e territorialidades que nem à cultura se vergam (palavras do escriba)!

 

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