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A recompensa para quem supera o desafio de caminhar na areia, normalmente debaixo de um sol escaldante, é multifacetada. Primeiro pelas belas imagens formadas nas dunas, depois pela vegetação e, finalmente, pelas muitas lagoas que surgem no caminho, verdadeiros oásis num deserto onde o visitante não pode perder a chance de parar para dar um mergulho.


A infame subida da primeira duna do Parque Nacional

É uma aventura inesquecível. Mesmo que o joelho esquerdo do escriba haja cedido à pressão de subir a primeira duna, que se inicia num riacho de águas cristalinas mas vermelhas dos minerais e folhas de árvores em dissolução, atravessado a vau. É que a tal duna, de areia macia e fina, tem 45º de inclinação, e só pode ser subida agarrado o turista a uma corda ao nível do declive... Fosse o repórter jogador de futebol e o Scolari me dispensaria rapidinho da selecção!


Os amigos do dia

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Sábado, 13 de Maio de 2006 – Fim de um Brasil, início de outro. Isto porque foi um dia inteiro de voos, de São Luís para Fortaleza, onde mudámos de avião para a etapa até São Paulo, via Natal. Em Guarulhos, um breve descanso para deixar a bagagem mais pesada, cheia de livros, umas compritas pelas lojas da aerogare e a ponta final para um percurso extra, determinado em cima da hora, em cedência a convites amigos para visitar a cidade de Florianápolis, no estado sulista de Santa Catarina. De Guarulhos a Floripa (assim de denomina carinhosamente a capital do Estado) são 45 minutos mas, quando aterrámos, os ponteiros do relógio apontavam para as 23h35, mais de 12 horas após a primeira descolagem da capital do nordestense Maranhão. É obra!


Fortaleza, Ceará

O Sul do Brasil é como que outro mundo

Ah, o litoral Catarinense e Florianápolis (em geral)
...e o(a)s Catarinenses (em especial)!

Havia no Rio Vermelho florido
Todo um quiosque em passiflora.
Que longa viagem fizestes,
Catarina dos Prodígios.

(Rodrigo de Haro, poeta catarinense e artista plástico)


Domingo, 14 de Maio de 2006 – Os administradores do Grupo Huahine, Felipe Covalski e Cristina Oliveira, foram os anfitriões mais-que-perfeitos na forma suprema da conjugação do verbo (bem) receber.
De manhã cedo o sempre revigorante contacto com o nosso Oceano Atlântico, algo que nos rejuvenesce em imagens e recordações de infância, nascidos que fomos a olhar para ele, o Zé Ferreira na Horta e eu em Lisboa. Fomos levados à incrivelmente bela e longa praia de Moçambique, paraíso de surfistas que, de manhã à noite, escolhem os locais mais favoráveis consoante a ondulação e o vento. O que determinam, basicamente, cheirando o ar...

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Praia de Moçambique - Barcos de passageiros na Lagoa da Conceição

Em seguida o primeiro contacto com a maravilhosa Lagoa da Conceição, enquadrada em colinas verdejantes e abrigando algumas das residências mais bonitas da ilha. Miradouros, recantos floridos, coloridos barcos de encantar, comida maravilhosa à beira da água, companhia de amigos instantâneos mas certamente que feitos para todo o sempre, muito simplesmente, como diria Jorge Amado, irmãos-do-peito.


Pré-história laboral gravada na rocha

Na praia da Barra da Lagoa, uma ponte preênsil e vestígios do fabrico de utensílios (pratos) gravado nos rochedos lambidos por um ondular dengoso e subtil, fascinaram os nossos olhos e deram que fazer ao material fotográfico. E por falar disso, as fotos que se juntam fazem mais justiça à paisagem que nos deleitou os olhos que mais palavreado, por muito que se tente.


José Ferreira com a Dra. Cristina Oliveira (Grupo Huahine)

A tarde foi para correr as estradas sinuosas, com pronunciadas subidas e descidas, entre lagoas, morros e braços de mar, numa “montanha russa” de belezas paisagísticas a que a dicotomia ar/terra elevam ao mais alto expoente da beleza natural.

O jantar, ao pôr-do-sol, voltou a ter como cenário a Lagoa da Conceição, agora com o ar prenhe de tonalidades alaranjadas e com uma brisa fresca vinda do mar, a lembrar as noites frescas de Lisboa, a fazer saber bem um casaquinho de malha, em contraste com a caloraça do dia. As delícias que o mar libera foram degustadas lenta mas gostosamente, no interior do restaurante cuja esplanada abandonámos de bom grado.


Jantar ao pôr-do-sol com a equipa do Grupo Huahine

Nessa noite os repórteres-peregrinos, depois de um animado serãozinho na “Casa do Pipo”, uma das muitas da Quinta do Sol, findo um bate-papo com os novos amigos Chico e Ana, recolheram cedo, quebrantados, como soe dizer-se, com a aragem marítima, a fornalha do Maranhão, e os voos constantes da véspera a pesarem nas pestanas inchadas de tanto ver e tão pouco dormir.

Dia de São Itajaí

Quem sabe um dia eu olharei pra ti,
e veja no teu rosto, o meu sorriso ateu,
veja no teu corpo, minha inconsequência,
e na tua boca um beijo que foi meu.
(César Félix, poeta de Itajaí)

Segunda-feira, 15 de Maio – Escusam os leitores, mesmo os mais versados em santos da igreja, de procurar São Itajaí porque ele só existe na mente dos escribas. E foram eles mesmo, ao cair da noite de um dia cheio de tudo o que é bom na vida, que assim o decretaram na viagem (pequena, pequenina mesmo) de regresso de uma das mais fabulosas jornadas que nos foi dada apreciar no Brasil. Itajaí, junto a Navegantes, um dos mais importantes portos de mar e de pescado de todo o país, foi realmente a surpresa do dia. Não só pela beleza de uma paisagem maravilhosa, como pelo percurso para lá chegar. E pelas gentes (orgulhosamente descendentes de açorianos) que iríamos conhecer e nos cumularam de gentilezas.

Neste dia, escolhido pelo Felipe e pela Cristina para vermos outras belezas do litoral Catarinense, levou-nos de regresso ao continente, e por uma rodovia costeira, em direcção ao norte, directamente a uma cidadezinha apelidada de Balneário de Camboriú incrustada numa baía de águas calmas e praia estreita de areia dourada, rodeada de edifícios de apartamentos que nos disseram ser dos mais onerosos do continente, desprovidos de garagem, ao nível, ou abaixo do nível da rua, pois que os donos dos andares podem estacionar o carro dentro de casa, através de elevadores monta-cargas... Nem em Toronto, irra!


Teleférico do Balneário Camboriú

No extremo sul da marginal, junto ao mar, sai um curioso teleférico moderno que transporta as pessoas ao cimo do morro, com acesso ao mirante da Mata Atlântica, Parque Ambiental, Parque de Aventuras, descendo depois, sempre para sul para outra enseada, esta bem mais pequena, de aspecto paradisíaco e conhecida por acomodar a Praia das Laranjeiras.

Prosseguindo por estrada para Itajaí, 88 km a norte de Florianápolis, lá chegámos ao fim da manhã onde éramos aguardados pelo simpatiquíssimo pessoal da Fundação Itajaiense de Turismo (FITUR), nas pessoas do Superintendente Acyr Osmar de Oliveira e da representante do Departamento de Turismo Valdete Orci de Campos, no próprio local onde as três maiores comunidades locais organizam conjuntamente os seus festivais anuais: a Marejada dos descendentes de açorianos, a Oktoberfest dos Alemães e a Festa dos Marrecos a representar a população local. Este exemplo de viver bem, lado a lado, sem diferenças, fez-nos lembrar imenso o que (não) acontece em Toronto e foi com profunda satisfação que ouvimos explicar como esta parceria beneficia todas as comunidades oferecendo muito mais do que um simples evento, de cada vez, ao público que a ele ocorre aos milhares.


Adro do Festival “Marejada” em Itajaí

A reportagem visitou longamente o recinto, antigo mercado do peixe – que Itajaí também é grande porto piscatório – transformado agora em recinto de feira, com uma entrada majestosa em louvor aos pescadores portugueses, em cujo portal figura a Senhora dos Navegantes. No adro, uma fonte, jardins bem recortados e um imponente moinho estilizado da Bretanha micaelense, a servir de fachada ao edifício-sede da Marejada, um festival luso-açoriano, como indicam os dizeres sobre a porta principal.


Sede da Associação Luso-Açoriana

Foi neste cenário banhado pelo sol de um dia lindo que entrevistámos o Acyr, por toda a gente apontado como a alma mater do evento e um incansável e dedicado animador cultural da FITUR.

Em entrevista à Adiáspora.com

"...toda gente era Silva, todo mundo era Pereira!"
- Conta Acyr Osmar de Oliveira

A Marejada é uma festa portuguesa do pescado,
onde buscamos valorizar a herança dos nossos antepassados
- afirmou Acyr Osmar de Oliveira, da FITUR

Adiáspora O Acyr já nasceu aqui? Tem ascendência açoriana?

Acyr Osmar de Oliveira – Sim, descendente de portugueses. Sou, actualmente, Superintendente da FITUR e o coordenador-geral da Marejada...

Adiáspora Marejada que é o festival açoriano de Itajaí...

AOO Sim, é ao mesmo tempo uma festa portuguesa e do pescado. A Marejada é o nome que aqui se atribui a uma grande onda que se forma no mar e não se quebra. E é uma espécie de festa do resgate do português porque ele estava aqui um tanto esquecido. Existiam aqui outras culturas, já que organizavam eventos relacionados com as suas comunidades. Foi então que resolvemos, em conjunto com o nosso município, em 1984, formar uma comissão para que, em 1987 se organizasse a festa denominada de Marejada, uma festa portuguesa do pescado, onde nós buscamos valorizar a questão dos nossos antepassados, dos nossos colonizadores portugueses, açorianos, e as pescas que constituem um grande produto desta região. Ainda há poucas horas, ali atrás, foram descarregadas 22 toneladas de tainha, um peixe muito comum. Este nosso porto destaca-se, todavia, pela pesca da sardinha, um dos peixes mais abundantes nestas águas, a justificarem a existência de mais de 1.200 barcos de pesca registados. É exactamente neste local, um antigo terminal de autocarros de passageiros que começámos a festa. E conseguimos do dono e proprietário da concessão dos ditos autocarros, que nos cedesse um espaço onde pudéssemos realizar uma festa onde valorizássemos a cultura e o folclore português.

Adiáspora Ora os portugueses chegam aqui, primeiro, como baleeiros, não é verdade...?

AOO Isso...

Adiáspora...mais ou menos em que ano?

AOO Os açorianos vieram para Florianópolis (antiga Nossa Senhora do Desterro) em 1748. Vieram seis levas de açorianos por essa época, 6.000 açorianos ao todo. Desses, 1.500 foram para Porto Alegre (antiga Porto dos Casais), fundar aquela que é agora a capital do Estado de Rio Grande do Sul. Os que aqui ficaram foram, particularmente para Florianópolis mas também se espalharam pelas imediações: Enseadas do Brito, São José, Biguaçú... E com a questão da pesca da baleia, eles foram conhecendo outros locais. E os que vinham para cá fazer as armações acabaram por ir ficando e aqui se fixarem. Juntamente com isso, eles passaram a entrar pelo município adentro para colonizarem os territórios dos índios aí por volta de 1860, edificando os moinhos de engenho, para moer a farinha. Porque como sabe o peixe é acompanhado de pirão *. Isso foi uma aprendizagem que absorveram dos índios e a partir daí conseguiram o sustentáculo da sua alimentação. Porque os colonizadores que tinham vindo para cá, não tinham nada plantado, a comida mais rápida era mesmo a mandioca, a crescer espontaneamente por aí, e que transformada em farinha alimentava esse povo. Depois foram adquirindo novos hábitos alimentares...

Adiáspora Mas são os alemães que acabam por atingir a primeira proeminência política...

AOO É! Depois de 125 anos de presença açoriana aqui neste nosso Estado, chegaram os alemães. Que já vieram com a ‘bagagem’ da revolução industrial da Europa. Eles vieram para cá e foram naturalmente assumindo os cargos políticos porque a sua imigração havia trazido consigo os primeiros professores, os primeiros intendentes, à época, que se iam alcandorando aos cargos públicos e começaram a funcionar a partir de um conhecimento superior, sobretudo porque entendiam o capital, a relação entre o dinheiro, compra, venda e todas essas operações financeiras. Com isso o açoriano se foi misturando com os outros povos e outras etnias, e criou uma sociedade que, entre aspas, se pode considerar que era muito pouco valorizada, que não se distinguiam muito: toda a gente era Silva, todo o mundo era Pereira, Bettencourt, descendentes dessas ilhas. E passados esses anos todos, o pessoal que residia nessa região do interior, que era a entrada para o Vale Europeu, vinha de lá e pensava que aqui só encontraria alemães. Mas chegavam aqui e encontravam os portugueses. Então achavam que não podiam estar no Vale Europeu porque ninguém falava alemão... Então, no seguimento desse processo e com a criação do Núcleo de Estudos Açorianos, pela Universidade Federal de Santa Catarina, nós começámos a fazer parte lá do Núcleo, nós, Itajaí, e 46 outros municípios do litoral...

Adiáspora E isso acontece, aproximadamente, em que ano?

AOO Isso por volta de 1984.

Adiáspora Relativamente recente essa movimentação...

AOO Certo! Aí começamos a enfrentar dificuldades por causa da ancestral falta de visibilidade. Eles diziam: “- Mas a gente não tem nada de influência portuguesa...” Mas claro que tinham! Isto porque os edifícios públicos tinham nome de alemães... Mas a gente contrapunha: tem aí a Rua Pereira Neto, tem o Colégio Faial, tem a Rua Silva, tem a Rua Bettencourt, tem a dos Oliveira, os Pereira! Tinha nomes portugueses também... Aí, em resultado de duas enchentes que ocorreram, em 1982 e 1984, isto aqui ficou tudo debaixo de água. Toda Santa Catarina ficou debaixo de água. E a cidade que foi mais prejudicada foi Blumenau *.

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